segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

A ESTRUTURAÇÃO DO SÍTIO E PLANIFICAÇÃO HIPODÂMICA DA CIDADE: LIBERALITAS IULIA EBORA

Tal como se desconhece a data exacta da municipalização de Évora, também se desconhece a data em que se iniciou o processo de estruturação do sítio a fim de reflectir o paradigma social de Roma. A grande maioria das teses prefere encarar a cidade, do ponto de vista da lógica urbana, a partir da sua municipalização.
Para assegurar o seu domínio sobre os territórios, os soldados romanos construíam acampamentos militares permanentes. À medida que se foi reduzindo a necessidade de forças militares, muitos desses acampamentos tornaram-se importantes cidades do Império Romano. Mesmo que não fosse esse o caso em Évora, os Romanos sabiam que cidades bem planeadas, eram mais eficazes para a manutenção da paz e da segurança do que o seu dobro em acampamentos militares. Mas também sabiam, que a cidade devia ser um lugar onde a população quisesse viver.
Como um acampamento, ou uma cidade eram edificados em locais onde previamente não existia cidade alguma, ou onde só havia uma pequena povoação, o seu modelo e o seu tamanho, eram cuidadosamente planeados. Porém, o modelo de cidade romana não se cinge, somente a valores de ordenamento e a teorizações como as de Vitrúvio, acerca do modo de construir. As normas vitruvianas, nomeadamente as suas prerrogativas sobre a escolha do local, a construção das muralhas e a disposição dos edifícios públicos são da época de Augusto, mas veiculam aquilo que se fazia ou preconizava ainda na época republicana durante o tempo de Júlio César. Por conseguinte, são contemporâneas de grande parte das primeiras manifestações urbanas no território peninsular, revelando-se, um auxiliar importante, embora não conclusivo, no entendimento deste assunto. Vejamos o que nos diz o arquitecto romano sobre a construção da cidade.
“ [...] He aquí los principios fundamentales en la construcción de las mura-llas. En primer lugar, se seleccionará un terreno totalmente favorable: un terreno elevado y abierto, despejado de nieblas y con una orientación que no sea ni calurosa ni fría, sino templada“.
“ [...] Si la ciudad se levanta al lado del mar, debe elegirse una superficie para construir el foro próxima al puerto, si por el contrario va a estar lejos del mar, el foro se construirá en medio de la ciudad. Los solares para los santua-rios de los dioses tutelares de la ciudad y para Júpiter, Juno y Minerva elíjanse en un lugar suficientemente elevado, desde donde pueda observarse la mayor parte de la ciudad. [...].”
Em conformidade com esta orientação para construir uma cidade e os templos na zona mais elevada da cidade, em Évora, a cota mais alta (311m) é, precisamente a da zona ocupada pelo templo, o que à partida parece pôr de lado a consagração a Diana. Tendo em conta que as cidades romanas obedeciam a uma planificação hipodâmica, o passo seguinte à definição do perímetro da cidade onde seriam construídas as muralhas era a marcação das duas ruas principais uma com a direcção Norte-Sul e a outra com direcção Leste-Oeste. As duas ruas cruzavam-se perpendicularmente num ponto fulcral: o Forum. Em Évora o conhecimento de uma destas vias, o cardum maximus, está há muito consolidado, mas sobre o outro, o decumanus maximus, que é o que tem a orientação Leste-Oeste, existe ainda um debate intenso.

O FORUM
Encontradas as vias principais da cidade, como principais eixos ortogonais, então será mais fácil determinar onde se encontrava o forum e fazer a sua reconstituição. O forum constituía o pólo dinamizador da vida urbana em todos os aspectos, pois era neste espaço que se praticavam os ritos sagrados, se administrava a justiça e se desenvolviam as actividades comerciais.
O Templo definia, normalmente, o eixo maior da praça que possuiria ainda a curia (o Tribunal), o comitium (Senado Municipal), o aerarium (Tesouraria), e as tabernae (estabelecimentos comerciais). Quanto ao espaço designado como forum, existem acesas discussões e debates conjecturais, mas algumas certezas arqueológicas.
Em recentes escavações foram identificadas argamassas que serviram de base ao pavimento de lajes de mármore da ágora romana. Neste pavimento, foram identificados fragmentos de laje ainda in situ o que permite calcular a cota exacta da praça. Este piso marmóreo foi encontrado no sítio do actual Museu Municipal e, em resultado das escavações de Theodor Hauschild, encontrou-se uma colunata que abraçava o monumento subsistente, bem como os seus limites.
Mas, teremos de regressar novamente a Vitrúvio, porque ele, no primeiro capítulo do quinto livro fala acerca do forum e das basílicas dizendo o seguinte:
“Las dimensiones del foro serán proporcionadas al número de visitantes; ni de dimensiones reducidas, si va a acudir un gran gentío, ni que dé la impre-sión que el foro queda muy grande si la afluencia de público es escasa. La anchura del foro se establecerá del siguiente modo: divídase su longitud en tres partes y dos tercios sean para su anchura: por tanto, su estructura será alargada y su distribución muy adecuada para los espectáculos.”Sobre isso, apresentamos a seguir um resumo do que é descrito pelo Dr. Gustavo Val-Flores, acerca da reconstituição do fórum.
“De acordo com Vitrúvio teríamos naquele espaço do fórum uma estrutura canónica de formato rectangular, mais ou menos alongado, que obedece a uma proporção 4/2 ou 3/2, rodeado de uma colunata que define um deambulatório e uma cobertura em lanternim trespassado por vãos adossados à parte central. De lado, terraços encimavam os pórticos periféricos, sendo espaços de deambulação e de ligação ao interior do edifício. Em alguns casos, a Basílica albergava a cúria, a tesouraria e o tribunal, ajustando-se a sua estrutura à função e à topografia."

O TEMPLO
O Templo mantém-se como a única reminiscência visual de um conjunto cuja dimensão e extensão total, só se pode alcançar por via de comparações com outras cidades. A reconstituição de Conímbriga por Jorge Alarcão e Robert Etienne pode-nos servir como exemplo, no entanto, é de crer que o conjunto eborense primava por uma monumentalidade singular.
Tendo em conta as referências ao bispo de Évora nos Concílios visigóticos de 597 e 633 em pleno período bárbaro, percebemos a importância episcopal de Évora na Antiguidade Tardia, o que nos faz pensar que em tempos anteriores, Ebora detinha uma significativa importância religiosa no conjunto da província lusitana. Esta importância não existiria sem que a cidade estivesse dotada dos mecanismos e edifícios religiosos que permitissem granjear esta posição no conjunto territorial da província. Como município de direito latino, a cidade estaria, certamente, dotada de cúria, e sabemos que o edifício onde funcionava o sistema judicial acumulava, em muitos casos, a função religiosa. Desta forma, somos remetidos para a existência de uma Basílica na cidade romana.
É interessante a solução que as escavações permitiram preconizar como acesso ao Templo. Consistia em dois lanços de escada laterais, tal como se verifica em Mérida e Idanha-a-Velha, sendo esta a solução que adoptamos na reconstituição em maqueta. As escavações de Hauschild puseram a descober-to as fundações das escadarias, bem como um muro (com pilastras), que delimitava um espaço de transição entre o mesmo e os acessos, dotando o conjunto religioso e o fórum de uma certa grandeza monumental.
O templo era dedicado ao culto imperial, contrariamente ao que diz a tradição popular, que por muito tempo o identificou como sendo um templo dedicado a Diana8, conhecida como a deusa romana da caça. Segundo alguns historiadores o templo foi construído no início do século I d.C., enquanto para outros, foi construído em finais do séc. I ou início do séc. II d.C. .
Abundam os vestígios, onde se incluem os bucrâneos e as paterae que apontam para uma remodelação da cidade nos finais do séc. I/II d.C., sendo esta a época mais valorizada nos vários estudos. Assim, é bem provável que a construção do templo tenha acontecido no início do primeiro século d.C. e tenha depois sofrido várias alterações. Na realidade, as alterações transcenderam a época romana e prosseguiram com as invasões bárbaras chegando ao século XIV servindo de casa forte ao castelo da cidade.

CARACTERIZAÇÃO DO TEMPLO
O templo caracteriza-se como sendo hexastilo, da ordem coríntia, e representa um tipo especial de templo com pódio em forma períptica, que podemos considerar uma particularidade na história da arquitectura romana. Encontra-se na zona alta de Évora, e é talvez um dos monumentos mais conhecidos da cidade. Foi reintegrado na sua actual forma há quase 140 anos, depois de retirados os elementos medievais. Conserva o podium quase completo, erguendo-se a mais de 3m de altura, com um comprimento de 25,50m por 15,20m de largura, construído com grandes silhares de granito nos cantos, no perfil da base e moldura; o resto das paredes é em opus incertum, apresentando alguns vestígios de estuque pintado a branco. As colunas estão conservadas, bem como uma parte da arquitrave, erguem-se 14 sobre o pódio, com o fuste feito em granito e a base e os capitéis em mármore. Dedicado ao culto do imperador, fazia parte de uma grande praça – o forum da cidade romana – estava envolvida por um pórtico e até está comprovado a existência de um criptopórtico. Nesta praça terá tido grande importância o elemento água, porque foi redescoberto no século XIX, um tanque/espelho de água em forma de U, que envolve o pódio em três dos lados, Oeste, Norte e Leste.
Devido à sua situação estratégica, mesmo com o fim do Império Romano e perdida a sua função original, é possível, embora não existam provas concretas, que tenha mantido por alguns séculos uma função religiosa, adequando-se aos sucessivos cultos dominantes. Primeiro “cristão-visigótico”, mais tarde “islâmico”. No entanto, os merlões piramidais que mantinha ainda no século XIX denunciam a sua posterior transformação em torre militar integrada no sistema da alcáçova medieval. (a continuar)

BIBLIOGRAFIA
AA.VV. Imagens e Mensagens, Escultura Romana do Museu de Évora, Museu de Évora, 2005, pp.21, 22,
ALARCÃO, Jorge, Portugal Romano, Lisboa, Ed. Verbo, 1973.
- Roman Portugal, vol. II, Westminster, Aris & Phillips, 1988.
- O Domínio Romano em Portugal, Lisboa, Publicações Europa-América, 1988.
BARATA, António Francisco, Restauração do Templo Romano em Évora, Instituto Vasco da Gama, Tomo I, nº 8, 1872
CARREIRA, Monsenhor Joaquim, ROMA- História Arte Religião, Porto, Lello & Irmão (edição de autor), 1975
MAIA, Manuel, Romanização do Território hoje Português a Sul do Tejo - contribuição para a análise do processo de assimilação e interacção socio-cultural. 218 a.C. - 14 d.C., Lisboa, edição fac-simile da dissertação de Doutoramento apresentada à Faculdade de Letras, 1987.
PEREIRA, Gabriel, Estudos Eborenses, Vol. I “Évora Romana”, Évora 1947
SIMÕES, Augusto Filipe, O Templo romano de Évora”, in “Escriptos Diversos”, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1888.
VAL-FLORES, Gustavo Silva, A Evolução Urbana do Centro Histórico de Évora – VOLUME I – Ébora Liberalitas Iulia, Séc.I a.C – IV d.C. (está a ser preparado para publicação pela Câmara Municipal de Évora)
VITRUVIO POLIÓN, Marco Lúcio, Los diez libros de Arquitectura, Madrid, Alianza Editorial, 1995

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