quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

THEMENOS, ARQUITRAVE, FRISO E PROPORÇÕES DO TEMPLO ROMANO DE ÉVORA

De volta ao templo romano e à sua caracterização, falemos agora do espaço à volta do templo, às proporções do edifício sagrado e a outros aspectos como a arquitrave, o friso e a algumas conclusões.

Thémenos
Refere-se ao espaço em volta do templo, que deve ser tratado como se fosse o domínio pessoal da divindade, que no caso de Évora, envolveu o templo por três lados e que foi cercada por um criptopórtico, cujos restos foram detectados em várias zonas, por entre os edifícios de outras épocas. Em redor do templo, nos mesmos três lados, em forma de U, (a Oeste, Norte e Leste) foi encontrado um tanque de água com 5 m de largura, provavelmente construído em meados do séc. I d.C. Tem sido considerada também a hipótese de ter havido um culto das águas, ao qual o culto imperial parecia estar relacionado através de ritos de cariz aquático. Tem como modelo o templo republicano de Luni, em Itália.

Proporções
O Comprimento do templo devia ser de modo que fosse o dobro da sua largura. Por sua vez a cela deveria ser uma quarta parte mais comprida que larga incluindo as paredes onde se colocam os batentes das portas. Quanto ao intercolúnio, é um elemento fundamental no cálculo das proporções, adequando-as a um equilíbrio estético maior.

Arquitrave e friso
Outro caso particular na Hispânia e que acontece também em Évora, é o caso de os silhares do friso, não assentarem totalmente na arquitrave, mas apenas em certos pontos específicos especialmente sobre as colunas. Nos cantos os silhares são compridos, atingindo os 3,50m de modo a abranger duas colunas, enquanto que nas outras zonas se utilizaram silhares mais pequenos, com lados inclinados de modo a servirem de apoio ao silhar central. É uma espécie de arco plano ou adintelado, empregado pelos romanos em edifícios de culto, como é exemplo disso, a Maison Carrée, da época de Augusto, e no grande templo Castorum no fórum Romanum, em Roma da época de Cláudio.

CONCLUSÃO
Em conclusão, podemos dizer que o fórum, embora não tenha sido escavado na sua totalidade, daquilo que se conhece em resultado das campanhas arqueológicas teria um total de 120 metros de comprimento, por 60 metros de largura, além de que, os fragmentos das lajes in situ permitem estabelecer a cota exacta da praça.
De acordo com os responsáveis pelas intervenções arqueológicas, os materiais cerâmicos encontrados aos níveis da praça, são datados da época flaviana, o que leva a supor que a data da grande praça seria desta época.
Contudo, o Templo é anterior, talvez da época de Augusto, ainda que possa ter sido restaurado em época posterior, sendo dedicado ao culto do Imperador. Além disso, o templo acabou por sobreviver especialmente graças à reutilização que os antigos eborenses foram dando às suas monumentais ruínas ao longo dos séculos, facto que, em contrapartida contribuiu para as grandes transformações que o edifício entretanto sofreria.
Pelos vistos chegaram até nós, apenas alguns sinais da riqueza e monumentalidade de Évora, pois no decurso da história foram-se edificando outras cidades, sobre esta; a Évora islâmica, a medieval, a renascentista e a Évora actual.
Usamos como base muitos dos relatórios arqueológicos, artigos e outras publicações disponíveis sobre o tema, mas também fizemos algumas entrevistas e confirmamos medidas no local. Na impossiblidade de conferir alguns dos dados, usamos como base de trabalho, o que foi publicado.
Ficamos na expectativa, que outras campanhas de escavações arqueológicas, ponham a descoberto qualquer outro achado, como algum fragmento da cornija, a placa dedicatória ou outro elemento que venha lançar mais luz sobre o templo e por conseguinte, sobre o foro e a cidade romana em geral.
Porém, procuramos fazer uma reconstituição do templo em maqueta de madeira à escala de 1:50, com base nos elementos agora conhecidos. Esta maqueta da qual apresentamos algumas fotografias estará acessível num espaço de exposição da cidade de Évora.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Passagem do tempo na pintura


Através das camadas sucessivas de tinta aplicadas a um poste metálico num espaço de cascais,também podemos ver a representação do tempo. Devido a estar próximo do mar, este poste tinha as sucessivas camadas de tinta misturadas com a oxidação do ferro. Assim, foi procurado a porção do poste cujo efeito pictórico pudesse proporcionar uma composição interessante.

NO SEGUIMENTO DA HISTORIOGRAFIA E CARACTERIZAÇÃO DO TEMPLO ROMANO EM ÉVORA


Como prometemos no fim do último artigo, estamos de volta ao assunto da historiografia e caracterização do templo romano de Liberalitas Iulia Ebora , usando Bibliografia já apontada.

SÉCULO XIV E XV
A primeira referência escrita que se conhece é na “Crónica de El-Rei D. João I” na qual Fernão Lopes chama-lhe “açougue”, palavra que no Século XIV poderia estar mais próximo de mercado do que de talho ou matadouro. Mas é também por ele que sabemos, que foi do seu terraço que os partidários do Mestre de Avis atacaram o alcaide-mor da cidade, forçando a sua rendição na crise de 1384. De qualquer modo a segunda referência documental conhecida consta duma carta de Afonso V datada de 1467 dando certas pedras a Soeiro Mendes que estavam nos açougues” Em outros dois documentos camarários, de 1498 e 1555, continua a ser chamado de açougue.

SÉCULO XVI E XVII
Da iconografia conhecida sobre o Templo destaca-se pela sua primazia o Foral Manuelino de Évora onde o monumento se descobre a custo no perfil eborense pintado por mão anónima (Séc. XVI). Aí pode-se observar em destaque ao lado da Sé, a representação do “açougue”, aparecendo em evidência o “sino de correr” que anunciava o fecho das portas da cidade, a horas certas da noite. Uma outra representação gráfica data já de 1669, e encontra-se numa vista da cidade em desenho aguarelado do italiano Pier Baldi. A sua identificação como “templo” data apenas do final do século XVII quando o Padre Manuel Fialho cria a lenda do “Templo de Diana” e da sua fundação por Sertório – tradição mantida nalguma toponímia actual e na voz do povo – embora já André de Resende se lhe tenha referido como “pórtico de fábrica romana”.

SÉCULO XVIII E XIX
Devido às mutilações e acrescentos medievais, por ter servido como açougue e apenas ter sido desactivado como tal em 1836, por ter estado ligado por anexos aos edifícios da “Inquisição Velha”, são visíveis na fachada norte as cicatrizes destas construções. Estes edifícios da Inquisição foram adquiridos pelo Conde da Póvoa na sequência da venda dos bens eclesiásticos decorrente da revolução liberal. As origens romanas do velho edifício da acrópole, não passaram despercebidas aos eborenses que buscavam afincadamente as origens da cidade.
A actual e tão forte imagem das ruínas do Templo Romano de Évora, que apesar de todas as evidências eruditas não perdeu o seu popular nome “de Diana”, tem afinal apenas 130 anos. Entre 1836 e 1871, um longo e atribulado processo, conduzido por homens de cultura na tradição intelectual e artística da cidade permitiu numa época tão desastrada para o património cultural português, levar a cabo significativa obra de valorização do que restava do Templo. A opção preconizada por Augusto Filipe Simões e concretizada por Cinatti, fazendo tábua rasa de todos os acrescentos medievais, foi dar início à desobstrução do templo. Foi a Vereação municipal eborense do biénio de 1870 a 1872 que em 17 de Junho de 1870 deu início aos trabalhos. Assim, o Presidente da Câmara – Manuel de Paula da Rocha Viana – subiu as escadas do templo em companhia do artista José Cinatti a quem deu um camartelo como o qual, o referido artista deu a primeira pancada numa das ameias que encimavam o templo.
Considerando os critérios da época, as periclitantes condições de estabili-dade do edifício e as circunstâncias sócio-culturais do país, terá sido a solução mais acertada para a época, embora hoje pudesse ser contestado ou pelo menos passível de muitas críticas. Já naquela época foi grande a polémica surgida sobre se o monumento devia ser devolvido à pureza das origens ou se deveria manter as estruturas medievais, ainda havia quem defendesse a sua completa destruição por considerar que “as ruínas do templo não passavam de uma antigualha improdutiva, que se havia de deixar cair ou até de pôr por terra para desembaraçar o espaço que ocupa.” Esta discussão ocorre durante a década de sessenta do século XIX. O velho edifício ainda serviu também de depósito à colecção arqueológica trazida de Beja pelo arcebispo Frei Manuel do Cenáculo, colecção que mais tarde deu origem ao Museu de Évora. Quando em 1871 foi libertado das estruturas medievais já ameaçava ruína. Mas é com certeza a esta intervenção, que se deve o salvamento do que restava do templo e a criação de uma imagem consolidada de monumentalidade que é hoje ex-libris da cidade de Évora.


Pódium
Conserva o pódio quase completo, erguendo-se a mais de 3m de altura, com um comprimento de 25,50m por 15,20m de largura, no entanto, o comprimento total com a escada alcançava aproximadamente 28m.construído com grandes silhares de granito nos cantos, no perfil da base e moldura; o resto das paredes é em opus incertum, apresentando alguns vestígios de estuque pintado a branco.

Colunas
Sobre o pódio restam 14 colunas, 6 na fachada norte e as restantes nas laterais, faltam as colunas da fachada sul onde se encontrava a escadaria de acesso e a entrada para o templo. As colunas têm base e capitéis de mármore branco de Estremoz, e fustes em granito, estriados e originalmente estucados. No entanto só 12 conservam os capitéis coríntios, trabalhados em duas peças, característica que em Roma está cronologicamente documentada até à primeira metade do séc. I d.C. . Na Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa existe uma cópia em gesso de um destes capitéis coríntios.
Os elementos decorativos dstes capitéis coincidem com o tipo e o estilo das folhas de acanto, das volutas e ainda de outros elementos existentes no fórum de Augusto em Roma e também na “Maison Carré” de Nîmes e também no foro marmóreo de Mérida, que é atribuído à época de Cláudio (41-54 d.C.).
Em relação à técnica de construção, foi muito interessante e de grande importância a descoberta de umas marcas e traços gravados sobre as pedras do estilobato, junto às bases das colunas, indicando os eixos das colunas e a localização das bases, servindo estas linhas de base geral, o que permitiu tirar conclusões sobre a forma de marcar na obra as medidas exactas do projecto, caso muito singular em Portugal.
A distância entre eixos é de 2,60m, do lado norte e de 2,25m dos lados leste e oeste. Esta diferença deve-se ao facto de que na fachada do templo, ou seja, – no lado sul que está destruído – a distância entre as duas colunas do centro era maior, fazendo que parte posterior do templo, fosse compensada através de medidas de eixo maiores. As medidas não são convertíveis em pés inteiros. Apenas o diâmetro inferior das colunas, de cerca de 0,90m, bem como a distância aproximadamente igual entre as bases de colunas nos lados leste e oeste correspondem a medidas de pés certas.
O fuste de cada coluna tem 6,19m é estriado com 12 meias caneluras, o capitel tem 1m e a base 0,48m.sendo que a altura total das colunas é de cerca de 7,70m.

Períptero na estrutura
As principais estruturas dos templos donde resulta o seu aspecto exterior são seis. Sendo que uma delas é a chamada períptera, que segundo Vitrúvio no livro terceiro, segundo capítulo, tem as seguintes caracte-rísticas: “Será períptero cuando posea en la fachada y en la parte posterior seis columnas y once en los lados, incluidas las angulares. Estas columnas se disponen de manera que la distancia del intercolunio sea la misma que la distancia que guardan respecto a las paredes en derredor, dejando un paseo en torno al santuario del templo”
Com esta definição não é difícil estabelecer o número de colunas do edifí-cio, nem das medidas da cela. Propomos na reconstituição 11 colunas nos lados maiores. As medidas entre os eixos do peripteron seriam de 45 x75 pés Por isso, fizemos a reconstituição com 11 colunas no comprimento e 6 colunas na largura, o que constitui um total de 30 colunas. Numa primeira fase talvez tivesse uma escadaria frontal, mas numa segunda, duas escadas laterais, com um muro transversal de silhares, estruturado por pilastras, muito semelhante ao encontrado no “Templo de Diana” em Mérida.
Continuaremos esta caracterização para falar do Themenos, e concluir esta investigação.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

A ESTRUTURAÇÃO DO SÍTIO E PLANIFICAÇÃO HIPODÂMICA DA CIDADE: LIBERALITAS IULIA EBORA

Tal como se desconhece a data exacta da municipalização de Évora, também se desconhece a data em que se iniciou o processo de estruturação do sítio a fim de reflectir o paradigma social de Roma. A grande maioria das teses prefere encarar a cidade, do ponto de vista da lógica urbana, a partir da sua municipalização.
Para assegurar o seu domínio sobre os territórios, os soldados romanos construíam acampamentos militares permanentes. À medida que se foi reduzindo a necessidade de forças militares, muitos desses acampamentos tornaram-se importantes cidades do Império Romano. Mesmo que não fosse esse o caso em Évora, os Romanos sabiam que cidades bem planeadas, eram mais eficazes para a manutenção da paz e da segurança do que o seu dobro em acampamentos militares. Mas também sabiam, que a cidade devia ser um lugar onde a população quisesse viver.
Como um acampamento, ou uma cidade eram edificados em locais onde previamente não existia cidade alguma, ou onde só havia uma pequena povoação, o seu modelo e o seu tamanho, eram cuidadosamente planeados. Porém, o modelo de cidade romana não se cinge, somente a valores de ordenamento e a teorizações como as de Vitrúvio, acerca do modo de construir. As normas vitruvianas, nomeadamente as suas prerrogativas sobre a escolha do local, a construção das muralhas e a disposição dos edifícios públicos são da época de Augusto, mas veiculam aquilo que se fazia ou preconizava ainda na época republicana durante o tempo de Júlio César. Por conseguinte, são contemporâneas de grande parte das primeiras manifestações urbanas no território peninsular, revelando-se, um auxiliar importante, embora não conclusivo, no entendimento deste assunto. Vejamos o que nos diz o arquitecto romano sobre a construção da cidade.
“ [...] He aquí los principios fundamentales en la construcción de las mura-llas. En primer lugar, se seleccionará un terreno totalmente favorable: un terreno elevado y abierto, despejado de nieblas y con una orientación que no sea ni calurosa ni fría, sino templada“.
“ [...] Si la ciudad se levanta al lado del mar, debe elegirse una superficie para construir el foro próxima al puerto, si por el contrario va a estar lejos del mar, el foro se construirá en medio de la ciudad. Los solares para los santua-rios de los dioses tutelares de la ciudad y para Júpiter, Juno y Minerva elíjanse en un lugar suficientemente elevado, desde donde pueda observarse la mayor parte de la ciudad. [...].”
Em conformidade com esta orientação para construir uma cidade e os templos na zona mais elevada da cidade, em Évora, a cota mais alta (311m) é, precisamente a da zona ocupada pelo templo, o que à partida parece pôr de lado a consagração a Diana. Tendo em conta que as cidades romanas obedeciam a uma planificação hipodâmica, o passo seguinte à definição do perímetro da cidade onde seriam construídas as muralhas era a marcação das duas ruas principais uma com a direcção Norte-Sul e a outra com direcção Leste-Oeste. As duas ruas cruzavam-se perpendicularmente num ponto fulcral: o Forum. Em Évora o conhecimento de uma destas vias, o cardum maximus, está há muito consolidado, mas sobre o outro, o decumanus maximus, que é o que tem a orientação Leste-Oeste, existe ainda um debate intenso.

O FORUM
Encontradas as vias principais da cidade, como principais eixos ortogonais, então será mais fácil determinar onde se encontrava o forum e fazer a sua reconstituição. O forum constituía o pólo dinamizador da vida urbana em todos os aspectos, pois era neste espaço que se praticavam os ritos sagrados, se administrava a justiça e se desenvolviam as actividades comerciais.
O Templo definia, normalmente, o eixo maior da praça que possuiria ainda a curia (o Tribunal), o comitium (Senado Municipal), o aerarium (Tesouraria), e as tabernae (estabelecimentos comerciais). Quanto ao espaço designado como forum, existem acesas discussões e debates conjecturais, mas algumas certezas arqueológicas.
Em recentes escavações foram identificadas argamassas que serviram de base ao pavimento de lajes de mármore da ágora romana. Neste pavimento, foram identificados fragmentos de laje ainda in situ o que permite calcular a cota exacta da praça. Este piso marmóreo foi encontrado no sítio do actual Museu Municipal e, em resultado das escavações de Theodor Hauschild, encontrou-se uma colunata que abraçava o monumento subsistente, bem como os seus limites.
Mas, teremos de regressar novamente a Vitrúvio, porque ele, no primeiro capítulo do quinto livro fala acerca do forum e das basílicas dizendo o seguinte:
“Las dimensiones del foro serán proporcionadas al número de visitantes; ni de dimensiones reducidas, si va a acudir un gran gentío, ni que dé la impre-sión que el foro queda muy grande si la afluencia de público es escasa. La anchura del foro se establecerá del siguiente modo: divídase su longitud en tres partes y dos tercios sean para su anchura: por tanto, su estructura será alargada y su distribución muy adecuada para los espectáculos.”Sobre isso, apresentamos a seguir um resumo do que é descrito pelo Dr. Gustavo Val-Flores, acerca da reconstituição do fórum.
“De acordo com Vitrúvio teríamos naquele espaço do fórum uma estrutura canónica de formato rectangular, mais ou menos alongado, que obedece a uma proporção 4/2 ou 3/2, rodeado de uma colunata que define um deambulatório e uma cobertura em lanternim trespassado por vãos adossados à parte central. De lado, terraços encimavam os pórticos periféricos, sendo espaços de deambulação e de ligação ao interior do edifício. Em alguns casos, a Basílica albergava a cúria, a tesouraria e o tribunal, ajustando-se a sua estrutura à função e à topografia."

O TEMPLO
O Templo mantém-se como a única reminiscência visual de um conjunto cuja dimensão e extensão total, só se pode alcançar por via de comparações com outras cidades. A reconstituição de Conímbriga por Jorge Alarcão e Robert Etienne pode-nos servir como exemplo, no entanto, é de crer que o conjunto eborense primava por uma monumentalidade singular.
Tendo em conta as referências ao bispo de Évora nos Concílios visigóticos de 597 e 633 em pleno período bárbaro, percebemos a importância episcopal de Évora na Antiguidade Tardia, o que nos faz pensar que em tempos anteriores, Ebora detinha uma significativa importância religiosa no conjunto da província lusitana. Esta importância não existiria sem que a cidade estivesse dotada dos mecanismos e edifícios religiosos que permitissem granjear esta posição no conjunto territorial da província. Como município de direito latino, a cidade estaria, certamente, dotada de cúria, e sabemos que o edifício onde funcionava o sistema judicial acumulava, em muitos casos, a função religiosa. Desta forma, somos remetidos para a existência de uma Basílica na cidade romana.
É interessante a solução que as escavações permitiram preconizar como acesso ao Templo. Consistia em dois lanços de escada laterais, tal como se verifica em Mérida e Idanha-a-Velha, sendo esta a solução que adoptamos na reconstituição em maqueta. As escavações de Hauschild puseram a descober-to as fundações das escadarias, bem como um muro (com pilastras), que delimitava um espaço de transição entre o mesmo e os acessos, dotando o conjunto religioso e o fórum de uma certa grandeza monumental.
O templo era dedicado ao culto imperial, contrariamente ao que diz a tradição popular, que por muito tempo o identificou como sendo um templo dedicado a Diana8, conhecida como a deusa romana da caça. Segundo alguns historiadores o templo foi construído no início do século I d.C., enquanto para outros, foi construído em finais do séc. I ou início do séc. II d.C. .
Abundam os vestígios, onde se incluem os bucrâneos e as paterae que apontam para uma remodelação da cidade nos finais do séc. I/II d.C., sendo esta a época mais valorizada nos vários estudos. Assim, é bem provável que a construção do templo tenha acontecido no início do primeiro século d.C. e tenha depois sofrido várias alterações. Na realidade, as alterações transcenderam a época romana e prosseguiram com as invasões bárbaras chegando ao século XIV servindo de casa forte ao castelo da cidade.

CARACTERIZAÇÃO DO TEMPLO
O templo caracteriza-se como sendo hexastilo, da ordem coríntia, e representa um tipo especial de templo com pódio em forma períptica, que podemos considerar uma particularidade na história da arquitectura romana. Encontra-se na zona alta de Évora, e é talvez um dos monumentos mais conhecidos da cidade. Foi reintegrado na sua actual forma há quase 140 anos, depois de retirados os elementos medievais. Conserva o podium quase completo, erguendo-se a mais de 3m de altura, com um comprimento de 25,50m por 15,20m de largura, construído com grandes silhares de granito nos cantos, no perfil da base e moldura; o resto das paredes é em opus incertum, apresentando alguns vestígios de estuque pintado a branco. As colunas estão conservadas, bem como uma parte da arquitrave, erguem-se 14 sobre o pódio, com o fuste feito em granito e a base e os capitéis em mármore. Dedicado ao culto do imperador, fazia parte de uma grande praça – o forum da cidade romana – estava envolvida por um pórtico e até está comprovado a existência de um criptopórtico. Nesta praça terá tido grande importância o elemento água, porque foi redescoberto no século XIX, um tanque/espelho de água em forma de U, que envolve o pódio em três dos lados, Oeste, Norte e Leste.
Devido à sua situação estratégica, mesmo com o fim do Império Romano e perdida a sua função original, é possível, embora não existam provas concretas, que tenha mantido por alguns séculos uma função religiosa, adequando-se aos sucessivos cultos dominantes. Primeiro “cristão-visigótico”, mais tarde “islâmico”. No entanto, os merlões piramidais que mantinha ainda no século XIX denunciam a sua posterior transformação em torre militar integrada no sistema da alcáçova medieval. (a continuar)

BIBLIOGRAFIA
AA.VV. Imagens e Mensagens, Escultura Romana do Museu de Évora, Museu de Évora, 2005, pp.21, 22,
ALARCÃO, Jorge, Portugal Romano, Lisboa, Ed. Verbo, 1973.
- Roman Portugal, vol. II, Westminster, Aris & Phillips, 1988.
- O Domínio Romano em Portugal, Lisboa, Publicações Europa-América, 1988.
BARATA, António Francisco, Restauração do Templo Romano em Évora, Instituto Vasco da Gama, Tomo I, nº 8, 1872
CARREIRA, Monsenhor Joaquim, ROMA- História Arte Religião, Porto, Lello & Irmão (edição de autor), 1975
MAIA, Manuel, Romanização do Território hoje Português a Sul do Tejo - contribuição para a análise do processo de assimilação e interacção socio-cultural. 218 a.C. - 14 d.C., Lisboa, edição fac-simile da dissertação de Doutoramento apresentada à Faculdade de Letras, 1987.
PEREIRA, Gabriel, Estudos Eborenses, Vol. I “Évora Romana”, Évora 1947
SIMÕES, Augusto Filipe, O Templo romano de Évora”, in “Escriptos Diversos”, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1888.
VAL-FLORES, Gustavo Silva, A Evolução Urbana do Centro Histórico de Évora – VOLUME I – Ébora Liberalitas Iulia, Séc.I a.C – IV d.C. (está a ser preparado para publicação pela Câmara Municipal de Évora)
VITRUVIO POLIÓN, Marco Lúcio, Los diez libros de Arquitectura, Madrid, Alianza Editorial, 1995

domingo, 18 de janeiro de 2009

ÉVORA - A FUNDAÇÃO O TERRITÓRIO E A ROMANIZAÇÃO

Sobre o território onde se situa Évora, sabemos que na época pré-romana a Península Ibérica era habitada por uma miscelânea de povos. A região hoje circunscrita ao Alentejo Central seria dominada pelo povo céltico, e segundo Manuel Maia, a linha do Tejo a norte e o Guadiana a sul, seriam as grandes linhas de fronteira entre a área das civilizações céltica, cónia e lusitana1. Integrados num sistema confederativo estavam ainda os Turdetanos os Hermínios da Serra da Estrela e os Vetões, da actual Estremadura espanhola o que faz deste território um verdadeiro mosaico étnico-cultural.
Quanto à fundação de Évora são muitas as opiniões, desde os que atribuem a sua fundação numa época tão remota quanto o III milénio a.C., até aos que defendem que foi fundada cerca do ano 700 a.C. . O que parece ser certo é que a presença humana pode ser atestada pelos povoados do neolítico e pelos monumentos megalíticos dispersos pela região de Évora, desde o VI milénio a.C. . Não obstante, já não parece ser certo que tenha havido um povoado primitivo pré-romano no local onde se situa hoje a cidade de Évora e do qual seja sucedâneo.
Podemos especular sobre uma fundação anterior à romanização, mas uma vez que carece de evidência arqueológica, não se trata de uma realidade histórica, mas de uma mera hipótese – ainda que plausível, devido à existência de outros povoados próximos – que os romanos tenham ocupado uma cidade pré-existente. Isto leva-nos a pensar que o lugar poderia ter sido escolhido pelos romanos para a implantação duma cidade completamente nova, ou inicialmente escolhido para o estabelecimento de um acampamento militar, resultando depois numa cidade.
Ainda assim, de acordo com o que diz Sérgio Luís Carvalho, acerca das marcas na ossatura e no tecido urbano das cidades, é evidente que à medida que recuamos no tempo, “mais esbatidas se tornam essas marcas, de forma que a influência celta é mais débil que a influência romana, e esta, por seu turno, menos visível que a muçulmana.” Contudo, Uma forte razão para isto acontecer não é só a passagem do tempo, mas também porque observamos um fraco fenómeno urbano nos povos pré-romanos, sobretudo devido às actividades agro-pastoris a que estes povos se dedicavam, o que, embora concorra para uma sedentarização e consequente aglomeração em povoados permanentes, “não garante o surgimento de núcleos populacionais fortes”. Outra razão apontada por Sérgio Carvalho, é a “ausência de um estado celta fortemente centralizado” que contribui para a não existência de estruturas políticas sólidas a nível supra-regional, sendo um entrave ao aparecimento de uma rede bem organizada de grandes núcleos urbanos.
Assim, da presença pré-romana fica a memória e alguns vestígios de um ou outro castro. Quanto à fundação de uma vila ou cidade fica por vezes a ideia disso, apenas sugerida pela antiga denominação, mas pouco mais do que isso. Todavia, isto mudou com a ocupação romana. Os romanos tendiam a fixar-se em locais cómodos e propícios para a exploração agrícola, surgindo as villae como grandes granjas dedicadas à agricultura. Estas espalharam-se por todo o território, tornando-se o germe e génese da fundação, – embora nem sempre – da maioria dos nossos povoados, vilas e cidades. E, este também poderia ter sido o caso de Évora.

TEMPLO ROMANO DE ÉVORA

É consensual que o templo romano de Évora tem sido até hoje o ex-libris da cidade. Se quisermos abordar a origem, a evolução e a história da cidade ou a romanização da região e do país é incontornável falar do templo romano de Liberalitas Iulia Ebora.
Assim, não cremos ser necessário fundamentar o interesse por esta obra romana, aqui encarada simultaneamente como objecto arqueológico e como obra de arte. Basta-nos ter em conta que a cidade de Évora é Património da Humanidade e que grande parte dos estudos que analisam a cidade sob o ponto de vista da ocupação romana, têm a ruína do templo como vector principal na sua abordagem.
Apesar de estar parcialmente em pé, trata-se de um dos templos romanos da Hispânia melhor conservados. O magnífico estado de conservação das suas ruínas, só pode ser explicado pelo amplo e contínuo uso ao longo dos séculos, tornando evidente que esta cidade teve um passado relevante.
Por isso, muitos se aproximam destas ruínas para o estudo da ocupação romana tanto em Portugal como em toda a Península Ibérica. Porém, quando se investiga verifica-se, que as informações para lá de serem escassas, são na maioria dos casos repetitivas. Exceptuam-se alguns artigos de natureza académica e arqueológica, que fazem uma análise mais aprofundada. Foi especialmente com base nesses artigos que fizemos uma leitura analítica do templo romano do “fórum”, tendo como finalidade a sua reconstituição em maqueta.
Com efeito, já seria satisfatório se a produção duma maqueta e a produção deste comentário acerca dos aspectos mais destacados que estão relacionados com este objecto/espaço em sentido histórico e artístico, fizer despoletar o interesse dos eruditos e das autoridades para a produção de uma publicação que seja suficiente informativa e esclarecedora para os que desejam aprofundar os seus conhecimentos. Se é verdade que turistas, arqueólogos, historiadores e público em geral já têm suficiente interesse pelo templo, também é verdade que não dispõem de um livro específico sobre o monumento.
Temos consciência que as soluções adoptadas para algumas questões não cabalmente esclarecidas ou cientificamente estabelecidas poderão ser contestadas, mas tratam-se de proposições, sendo de admitir nestes casos outras propostas de solução, que se provem mais fundamentadas. Os desafios implícitos numa reconstituição não nos impediram de fazer propostas e prosseguir na execução da maqueta, antes serviram como motivação adicional para avançar, considerando que pelo menos poderia propiciar uma discussão construtiva em direcção à “verdade” histórica.
As principais questões que se colocam quando falamos do templo são: Quando foi construído e por quem? A que divindade era consagrado? Era pré-existente ao espaço urbano, ou foi construído como parte da praça designada como fórum numa fundação ex-nihilo? A resposta a estas questões determinam ou pelo menos interferem na reconstituição arquitectónica a que nos propusemos e todas se relacionam com a cronologia e a romanização do território. Com este artigo iniciamos uma série de artigos relacionados com Évora, o templo e a romanização da cidade.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

ARTE E INTERMEDIAÇÃO - CRÍTICA E CRIAÇÃO DE ARTISTAS

Na pluralidade de intervenientes no mundo da arte destacam-se dois lugares limite: os artistas como criadores, que em percursos variáveis mais ou menos versáteis e intermutáveis, procuram sempre a sua singularidade artística, e os outros que “criam o criador” dentro do campo de criação, como por exemplo os críticos, os comissários, os marchands, e os programadores culturais. Em suma, toda uma série de intermediários culturais, de quem os criadores dependem para a visibilidade/viabilidade das suas carreiras e que, na sua função de divulgação consagram os artistas, assim como se consagram a si mesmos.
Dentro do conceito geral de mediação, o protagonista que mais se constitui como “objecto central na sociologia da arte” é o programador cultural. As suas funções de intermediação assentam no pressuposto clássico de um processo de criação artística repartido entre produção, intermediação e recepção. Neste sentido, o intermediário cultural é aquele que serve de canal, de facilitador da ligação entre dois mundos (produção e consumo, princípio e fim, ou criação e recepção) que, estando separados, devem ser ligados para que o processo de criação resulte. Constituídos como objecto central da arte, na medida em que não há nem outro lugar nem outro meio de conhecer os dois mundos, que não no trabalho dos intermediários, têm o poder como gatekeepers de triar, reagrupar, e até deformar. Desta maneira, põem em relação arte e sociedade e tornam claro que a criação, mais do que uma essência pura, geradora de uma comunicação empática com o público, é produto de um quadro social cuja ponderação envolve os aspectos económicos, políticos e sociais de uma dada sociedade.
O processo de criação apresenta-se não como um encadeamento linear, onde o intermediário intervém apenas na obra criada à saída do processo de produção para a entregar ao consumo, mas antes, como um processo onde existem várias retroacções e determinações recíprocas num contexto onde os intermediários ganham uma crescente importância na configuração e definição do que é arte.
Como diz Cláudia Madeira : “O programador cultural surge, desta forma, no campo artístico como um elemento legitimador de um valor cultural e económico de obras de artistas, assim como, de possibilidades entre o que pode ou não pode existir enquanto produto cultural” Como diz Hennion, “o intermediário não é um funcionário passivo que aplica leis, ele produz mundos”.
Por seu lado a Crítica, como instrumento de mediação do território de experiências e imprevistos da arte, deve contemplar pelo menos três momentos: o descritivo, o interpretativo e o avaliador. No entanto, nas últimas décadas detém-se principalmente na descrição e na evocação, evitando ou subtraindo quase totalmente o carácter judicativo.
Na Crítica actual predomina a ausência de juízos de valor, e quando os há fazem parte da ligação entre artistas e críticos apresentando-se não raro com uma intensidade emocional extremada entre amor e ódio. A polémica está ausente, não existindo artigos negativos em relação a exposições realizadas em Portugal. A Crítica de arte é monocórdica e é sobretudo uma crítica de exposições.
Senão, vejam-se os ensaios para catálogos de galerias comerciais. Normalmente, não mencionam qualquer objecção quanto ao artista e à Obra. Espera-se que os textos sejam laudatórios e que tenham uma função promocional de negócio, portanto, este tipo de artigos, não são Crítica de Arte.
Já do ponto de vista dos ensaios mais académicos, os artigos aparecem repletos de referências culturais e filosóficas, nos quais se procura fazer prova da aliança ou desvio a determinados conceitos ou movimentos, e os autores evidenciam uma excessiva preocupação em criar um bom texto literário. Já ninguém tem medo dos críticos, porque eles se assemelham mais a filósofos. Só existe receio quando o crítico é assessor, marchand ou curador.
É preocupante que os críticos não cumpram assim, a sua função, mas o que prestam é uma espécie de assessoria de imagem. Se tivermos em conta que o crítico muitas vezes trabalha para uma instituição cultural, ou, que em muitos casos existirá um arranjo de troca de bens (uma boa crítica por uma obra) entre o criador e o crítico, criam-se relações que favorecem o gatekeeping, sendo que o crítico passa a ser uma parte interessada no reconhecimento e consagração do artista. Muitas vezes, criam-se cumplicidades entre o crítico e o artista, havendo até uma coincidência de sentido estético e modos de ver o mundo. Quando assim não é, os discursos são opacos, demasiado herméticos e que procuram apenas impressionar os seus pares.
Há quem pense, que a crítica já não tem uma posição de poder e não tem papel relevante no sistema de gatekeeping, porque o mundo artístico de hoje marginaliza a crítica, ajudados é claro pela actuação dos críticos. Parece que a crítica de arte tende a ser um ponto de passagem para um emprego mais estável e bem remunerado, como a consultoria artística, ou a compra e venda de arte. Por outro lado diz-se que procuram apenas prestígio e que a crítica está muito longe do tempo de Clement Greenberg que estabelecia a “lei” do modernismo.
Na verdade, pensamos que não obstante o papel do curador suplantar o do crítico no tocante a “criar artistas”, pois constrói uma carreira ao tornar-se uma fortaleza para a legitimação do gosto, os críticos de arte ainda têm o poder de dirigir o seu foco de luz sobre os artistas. Por seu turno, artistas, galerias e marchands, ainda mendigam a cobertura da crítica, mesmo que esta seja apenas informativa, descritiva, filosófica e poética e cada vez menos analítica.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

A ARTE COMO INSTÂNCIA DE ACTIVIDADE SOCIAL, NUM HORIZONTE DE RECEPÇÃO

A palavra “artista”, que depois do Renascimento tinha uma dupla conotação (intelectual e artesão), deu lugar à de “artista plástico”. O artista já não possui a auréola de um savoir-faire, da mesma maneira que já não realiza obras, mas apresenta projectos e realiza um trabalho. Esta mutação da linguagem traduz exactamente este novo olhar dirigido ao artista. Tanto pode ser um técnico, como contentar-se em ter uma ideia como ponto de partida deixando a uma equipa profissionalmente mais competente a tarefa de realizar o projecto. Se é bem verdade que o artista se tornou mais ecléctico e pluridisciplinar, também é verdade então, que o modo de apreciação da arte e dos artistas mudou.
A arte não é uma essência, não há a natureza do ser artístico. A actividade artística é uma produção para outrem, mas não, “um outro definido”. É uma instância de actividade social, num horizonte de recepção. Assim, teremos de analisar o conjunto de agentes e correspondentes interacções que intervêm na definição do rumo e do ritmo da evolução da carreira de um artista. São estes agentes, que alguns chamarão de “sistema”, que seleccionam os artistas a quem conferirão o reconhecimento, como se lhes fosse outorgado.
Uma selecção implica inevitavelmente inclusões e o seu contrário. Estas inclusões e exclusões nem sempre são justas e acertadas. São muitas e variadas as ocasiões em que isto acontece. Desde seleccionar as obras de artistas para um concurso ou atribuição de prémio até seleccionar um grupo de artistas para integrar uma exposição internacional. Atribuição de uma bolsa, a decisão de investir na compra de trabalhos de um determinado autor, a inclusão ou exclusão nos livros de história da arte, implica um processo judicativo que nem sempre assenta em critérios artísticos e qualitativos.
Esta é também a crueldade da história da arte, tanto a de um passado distante, como a história moderna e contemporânea. Haverá sempre uma selecção, que envolverá inevitavelmente exclusões. Se em relação ao passado distante se possa admitir que as exclusões são especialmente por desconhecimento (no verdadeiro sentido da palavra) dos artistas, na história contemporânea, poucas exclusões são motivadas por desconhecimento, porque na sua maioria são por uma deliberada ignorância. Isto é, muitos artistas permanecem na sombra ou são votados ao esquecimento através de um processo de gatekeeping.
“Reconhecer” equivale a legitimar. A legitimação depende destas inclusões ou exclusões e estas dos processos de gatekeeping. Contudo, o sucesso dos criadores deveria ser medido em função dos critérios pertencentes ao universo artístico como campo autónomo e auto-referencial, que define os princípios da sua legitimidade e os seus limites de separação de outros universos. O artista deveria ser legitimado em função de princípios estéticos e de experienciação do objecto artístico com a vinculação do autor à obra, e não por critérios que o star system utiliza e que encontramos no mundo da moda.
Não raro, existe uma sobrestimação de artistas medíocres que o público toma por génios, mas que desaparecem depois da morte sem deixar vestígios na memória dos homens. Por vezes são esquecidos pela geração seguinte àquela que foi testemunha da sua obra. O caso é muito diferente quando se trata de autores que nos vieram dizer qualquer coisa de novo.
Lamentavelmente, em resultado só uma meia dúzia de artistas atrai a cobertura mediática, a grande maioria permanece na sombra, num completo desconhecimento, e, em alguns casos esquecimento do grande público. Tal como na guerra, quais pobres vencidos pela sombra, deles «não rezará a história». Enquanto assistem à procissão triunfal em que alguns dos seus pares são conduzidos sob a luz dos holofotes, com queima de incenso e chão atapetado de pétalas de rosas, assistem ao apagamento ou à não inscrição dos seus nomes.
Não obstante, as distorções, subversões, vícios e quaisquer outras actuações menos transparentes que eventualmente existam, são especialmente importantes as articulações entre a evolução do trabalho de um artista e as várias redes de circulação em que progressivamente se insere, designadamente a nível nacional e internacional, tais como os diferentes tipos de galerias, instituições culturais, críticos e outros tipos de comentadores, publicações especializadas e os meios de comunicação social em geral.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Cristiano Ronaldo, Obama e os conselhos para o frio

Hoje, num dia frio de Janeiro, num dia em que a comunicação social e certas autoridades que supostamente se interessam pelos cidadãos, dão conselhos e sugestões, dou por mim a pensar se os idosos ainda não saberão o que são temperaturas baixas. Na verdade, nos meus cinquenta anos de vida tenho a sensação de que na minha infância é que havia frio, e que agora as temperaturas estão mais amenas, pelo menos, acredito no "aquecimento global. Então que explicação lógica terão para sempre dizer o que cada um deverá fazer para se proteger do frio? Será que não bastam as previsões de temperatura do "boletim metereológico"? Para quê os alertas laranjas, amarelos, etc., como se de uma tempestade se tratasse? Quem melhor do que um bragantino saberá o que fazer? E no verão, para quê dizer a um alentejano de Amareleja que no distrito de Beja estão em alerta laranja porque fará uma temperatura de 40 graus? Será que haverá alguém melhor do que o idoso do Alentejo para saber o que fazer? Não deveria ser ao contrário, convidar estes cidadãos a dar-nos conselhos sobre o assunto em questão? Talvez fosse melhor dar cursos aos jovens como o Cristiano Ronaldo, com o objectivo de lhes fazer saber que a neve pode tornar-se gelo e que nestas condições não basta ter um Ferrari - uma máquina que é uma obra de arte com ar condicionado - para fazer frente ao frio, mas também conduzir tendo em atenção as condições climatéricas. E que tal utilizar os transporte públicos? ou colocar correntes nos pneus?
Não obstante, com uns graus a mais ou a menos, o que me preocupa mesmo é constatar que um dia destes, não teremos previsão metereológica porque não haverá dinheiro, não teremos professores, porque realmente o verdadeiro problema é não haver dinheiro (por isso há que reduzir despesas). Com este cenário de economia cinzenta, quem dará um curso ao Cristiano Ronaldo sobre como conduzir um Ferrari ou como conduzir em dias FRIOS, ou, quem dirá ao cidadão comum a temperatura que fará no dia seguinte? Mesmo que prevejam a temperatura, como nos aqueceremos sem dinheiro para comprar cobertores? Nesta altura, onde já estarão os artistas plásticos? Eles que produzem um conjunto de coisas que não servem para nada? Sim, porque a arte pode aquecer-nos de outras maneiras mas não nos aquece dos frios polares. Que nos valha, o anticiclone dos Açôres, porque hoje mesmo vai ser parcialmente nacionalizado pelo governo alemão a segunda maior instituição financeira da Alemanha - o Commerzbank.
O Commerzbank vai receber agora do governo alemão, através do Soffin (fundo de estabilização do sector bancário germânico) – uma injecção de capital no valor de dez mil milhões de euros.
O segundo maior banco alemão estava à procura de capital depois de ter gasto cinco mil milhões de euros na aquisição do rival Dresdner Bank à seguradora Allianz.
E isto tudo com o frio que faz. Será que alguém ouviu o pedido de OBAMA? Sim, estou a falar do Messias Obama que ao que parece "pediu" uma "acção dramática e urgente" para reactivar a economia.
Ainda não perceberam que é melhor investir em arte? Ainda não viram que é melhor promover a cultura?

Como fazer esculturas em Bronce (Bronze) - passos mostrados de modo simples, desde que compreenda um pouco de espanhol

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

domingo, 4 de janeiro de 2009

NA EXPECTATIVA DO ENSAIO GERAL DE FAUSTO



A ópera FAUST que vai ser levada à cena no Teatro de S. Carlos em Lisboa cujo ensaio geral é no dia 6 de Janeiro de 2009 é de Charles Gounod (1818-1893). Portanto, embora ainda contemporâneo de Goethe, quando Gounod faz a adaptação do Fausto de Goethe para a ópera de 1856-1858, já este havia morrido. A ópera a cujo ensaio iremos assistir é em cinco actos e baseado na primeira parte da obra de Goethe.
Sobre a obra de Gounod, a encenação e a ópera como obra de arte total, teremos oportunidade de falar. Porém, antes de mais podemos recapitular um pouco da obra literária, que deu origem a esta obra de arte total a que chamamos Ópera (obra em italiano).

Fausto de Johann Wolggang von Goethe é uma obra trágica inteiramente em diálogo, concebida mais para ser lida do que ser representada. Primeiro foi publicada em duas partes: Faust: der Tragödie erster Teil (Fausto: Primeira parte da Tragédia) e Faust: der Tragödie zweiter Teil (Segunda parte da Tragédia). Trata-se simplesmente da mais famosa obra de Goethe e está considerada como uma das grandes obras da literatura universal.
A primeira parte foi terminada em 1806 e publicada em 1808. Foi depois editada uma revisão em 1828-1829 tendo sido a última publicada pelo próprio autor. Previamente, havia aparecido um versão parcial em 1790 intitulada Fausto, um fragmento.
Goethe terminou a escrita da Segunda parte de Fausto em 1832, no ano da sua morte, esta constituiu a principal ocupação de Goethe nos seus últimos anos e só apareceu postumamente em 1832.
As principais personagens da Primeira parte são:
Heinrich Faust, um estudioso cuja vida está provavelmente baseada na de Johann Georg Faust, ou no relato dramatizado da Lenda do Doutor de Paris, feito por Jacob Bidermann e intitulado Cenodoxus.
Mephistopheles, um demónio
Gretchen, o amor de Fausto (Goethe também lhe chama Margaret)
Marthe, vizinha de Gretchen
Valentin, irmão de Gretchen
Wagner, criado de Fausto

PRIMEIRA PARTE
A primeira parte é uma história complexa. Situa-se em múltiplos lugares, o primeiro dos quais é o céu. Mefistófele faz um pacto com Deus: diz que pode desviar o ser humano favorito de Deus (Fausto), que se esforça em aprender tudo o que pode ser conhecido, longe de propósitos morais. A cena seguinte tem lugar no estúdio de Fausto onde o protagonista, desesperado pela insuficiência do conhecimento religioso, humano e científico, se envolve com a magia para alcançar um conhecimento infinito. Suspeita, contudo, que o seu intento não está obtendo resultados. Frustrado, considera o suicídio, mas evita-o quando escuta o eco do começo da época pascoal. Vai dar um passeio com o seu ajudante Wagner e é seguido por um cão vulgar.
No estúdio de Fausto o cão transforma-se em diabo. Fausto faz um acordo com ele: O demónio fará tudo o que Fausto quiser enquanto estiver na terra e em contrapartida Fausto servirá ao demónio na outra vida. O contrato incluía o seguinte: Se durante o tempo em que Mefistófeles está servindo a Fausto, este em razão de algo recebido quiser viver eternamente, Fausto morrerá instantaneamente.
Ao pedir-lhe o demónio que assine o pacto com sangue, Fausto compreende que este não confia na sua palavra de honra. No final, Mefistófele ganha a disputa e Fausto assina o contrato com uma gota de sangue.
Na continuação, Fausto conhece Margaret (também chamada Gretchen ou Margarida). Sente-se atraído por ela e com ofertas de jóias e ajuda de sua vizinha Marta, o diabo leva Margaret aos braços de Fausto que a seduz.
A mãe de Margaret morre por culpa de uma poção adormecedora que a filha lhe deu para gozar maior intimidade com Fausto. Gretchen descobre que ficou grávida. Seu irmão acusa Fausto e desafia-o e acaba morrendo ás mãos de Fausto e do diabo. Margaret asfixia o seu filho ilegítimo e é condenada por assassinato. Fausto tenta salvá-la da morte libertando-a da prisão, mas como não o conseguiu pediu ajuda ao diabo. Margaret, presa da loucura e negando-se a escapar morre nos braços de Fausto.

SEGUNDA PARTE
A segunda parte é rica em alusões clássicas e a historia romântica da primeira parte é esquecida. Fausto desperta num mundo de magia para iniciar um novo ciclo de aventuras e objectivos. A peça consta de cinco actos cujos episódios são relativamente independentes. Cada um deles com um tema diferente. No final, Fausto vai para o céu embora tendo perdido a aposta. Os anjos dizem no final do quinto acto, " a quem sempre se esforça com trabalho podemos resgatar e redimir."

RELAÇÃO ENTRE AS PARTES
Durante a Primeira parte, Fausto vai sentindo insatisfação, mas a conclusão derradeira da tragédia e o resultado dos pactos só se revelam na Segunda parte. A Primeira parte representa o pequeno mundo e tem lugar no terreno de Fausto o meio temporal. Em contraste, a segunda parte tem lugar num mundo mais amplo ou macro cosmos.

ATRAVÉS DOS ANOS
A história de Fausto tem inspirado um enorme número de obras literárias, musicais e pictóricas e tem tido milhares de interpretações tanto do ponto de vista sociológico como literário, assim como outros. A obra constitui uma parábola sobre o conhecimento científico e religião, paixão e sedução, independência e o amor, entre outros temas. Em termos poéticos, situa a ciência e o poder no contexto de uma metafísica moralmente interessada. Fausto é um científico empírico que se vê forçado a enfrentar questões como o bem e o mal, Deus e o diabo, a sexualidade e a morte.
No quarto livro da sua principal obra, Schopenhauer elogiou o retrato que Goethe faz de Margaret e do seu sofrimento. Considerando a sua visão "da salvação através do sofrimento", o filósofo citou este aspecto de Fausto como exemplo de um dos caminhos para a santidade.

sábado, 3 de janeiro de 2009

LEONEL MOURA - DEPOIS DA VISITA

Depois da visita à Galeria e também ao atelier de Leonel Moura, confesso que o que mais me impressionou foram os conceitos de arte e de artista, mais do que os robots que já eram amplamente conhecidos, pelo menos das feiras de arte. Mas o percurso artístico, o conceptualismo, o uso das novas tecnologias e o pensamento progressivo e progressista, isso sim, foi motivador. Em relação aos trabalhos, não me parece necessário fazer grandes descrições, pois é um autor que faz bom uso da Net e dos meios de comunicação - senão, escreva Leonel Moura em qualquer motor de busca e veja a quantidade de informação. Sugiro que visite o site do artista: http://www.lxxl.pt e já agora leia o artigo associado à imagem apresentada a seguir, que consta de um ovo proposto pelo artista para o Parque Mayer em Lisboa.



Imagem - copiada directamente do site de Leonel Moura





Sim, o artista plástico também faz projectos de arquitectura, embora não possa assiná-los como é óbvio, por não ser arquitecto, mas trabalha em estreita colaboração com um gabinete de arquitectura. Já tem um edifício construído em Albufeira, e está a trabalhar noutros projectos. No caso desta imagem, penso que se trata apenas de uma proposta, e não de um projecto real em que esteja a trabalhar. É uma proposta que não quero comentar do ponto de vista estético/artístico, mas apenas aproveitar para tecer alguns comentários, ou fazer algumas perguntas sobre a arquitectura, o urbanismo e as artes plásticas.
Ficarão os arquitectos e a sua ordem contentes por ver artistas plásticos a meter a foice em seara alheia? É por demais sabido que eles e a sua "ordem" querem defender a sua dama, contudo, porque razão não convidam eles para os seus gabinetes, artistas plásticos para colaborarem nos seus projectos? Será que as cidades não sairiam beneficiadas com isso? Ou será que é suficiente deixar um pequenino espaço de um qualquer edifício ou empreendimento para o artista plástico realizar uma pintura, talvez um painel de azulejos ou o escultor uma pequena escultura escolhida pelo arquitecto? Já agora, porque será que todos se podem considerar pintores mesmo sem formação, desde jornalistas a advogados, professores, arquitectos, etc., enquanto não parece haver muito espaço para os artistas plásticos colaborarem no urbanismo e arquitectura, sem serem encarados com 'desconfiança'? Parece-me ser este um bom exemplo de alguém, que no pleno exercício da sua cidadania faz propostas, e que, embora não seja arquitecto projecta edifícios.
Todavia, voltando à sua obra plástica ligada às tecnologias, tocou-me profundamente a obra apresentada na galeria e que consiste numa floresta de campânulas com os insectos electrónicos que criam um ambiente muito sui generis e que não pode ser apreciada sem os sons, mas da qual apresento fotos.

A PROPÓSITO DA VISITA AO ESTALEIRO DE PORTO BRANDÃO

Casco e hélice do Proton - Foto do autor

Aquando da visita ao estaleiro e a propósito da construção do barco de pesca PROTON, houve oportunidade para uma interessante conversa entre o arquitecto Ruy Mendes Santos e o engenheiro naval, Eduardo Mendes Dias. Construir um barco/navio, é um desafio que requer conhecimentos muito diversificados. Neste caso, com dois anos de projecto, incluindo pesquisa e compra de materiais, seguida de cerca de mais dois anos de trabalho. No que diz respeito ao design, porque é disso que se trata em relação a este objecto de arte, tendo em conta a funcionalidade e utilidade da obra, embora com algumas actualizações, pode concluir-se que nesta área não há muita inovação, considerando os riscos, a tradição, a legislação e as leis da física que governam o meio aquático nos quais se movem. Isto obriga a uma rigorosa geometria – que tem de ser considerada não só por motivos estéticos – mas, por motivos aerodinâmicos, poupança de energia, ambientais, estabilidade, etc. Ao falar de estabilidade, fala-se não só da flutuação, mas também do balanço, que envolve o lastro, o centro de gravidade, e o centro dinâmico, que difere do centro de gravidade. À medida que a conversa sobre o centro de gravidade se desenrolava não podia deixar de pensar no Vasa.

Motor do barco em reparação e teste - foto R.Dias

Por causa do PROTON regressei ao VASA e talvez à viagem mais curta da história.

A época do Proton é bem distante daquela que foi o apogeu do poderio naval, quando as frotas holandesas singravam os oceanos e desafiavam, uma por vez ou em conjunto, as frotas da Inglaterra, da França, da Espanha e de Portugal. Isso aconteceu na última metade do século dezessete. Contudo na primeira metade do Século XVII, mais precisamente a 10 de Agosto de 1628, num lindo dia ensolarado, estava uma multidão reunida no cais do porto em Estocolmo para ver o majestoso galeão Vasa que, após 3 anos de construção, seria lançado ao mar para se juntar à Armada Real Sueca.
O Vasa não era um navio qualquer. O Rei Gustavo II Adolfo Vasa queria que fosse o navio mais poderoso da época. Consta que, ao ouvir que os dinamarqueses construíam um navio com dois andares, dobrando assim seu poder de fogo, mandou acrescentar um segundo andar ao galeão. Queria que o navio que levaria o nome da família fosse superior a todos os outros.
Ao ser lançado ao mar, o Vasa devia ser uma exibição do poder e da glória da coroa sueca. O poder de fogo do galeão era de 64 canhões e estava adornado com mais de 700 estátuas e ornamentos. O custo chegou a mais de 5% do produto nacional bruto da Suécia. Essa poderosa máquina de guerra e exibição de arte flutuante foi provavelmente o galeão mais glorioso construído na época. Não é de admirar que o povo estivesse eufórico e orgulhoso ao vê-lo passar pelos cais de Estocolmo!
Mas, depois de navegar pouco mais de um quilómetro, uma lufada de vento fê-lo adornar e a água começou a entrar pelas portinholas dos canhões, no casco. O Vasa afundou na viagem inicial — talvez a mais curta de que se tem registo na História naval!
Os espectadores estavam perplexos. A glória da Marinha Sueca foi por água abaixo, não em alto-mar numa batalha ou numa tempestade violenta, mas ao sair do porto de origem, devido a uma simples lufada de vento. A morte de 50 pessoas a bordo aumentou a consternação. O Vasa, símbolo de orgulho nacional, acabou em tragédia, passando a ser símbolo de desapontamento e de desgraça. Foi aberto um inquérito para apurar responsabilidades, porém, ninguém foi acusado, como actualmente em Portugal a culpa morreu solteira, talvez, porque a evidência implicava tanto o Rei Gustavo como o segundo homem mais influente da Marinha Sueca, o Vice-Almirante Klas-Fleming.
As exigências do rei haviam obrigado os construtores a aventurar-se em projectos que desconheciam. O resultado foi que o Vasa não tinha estabilidade. Antes da viagem inicial, o Vice-Almirante Fleming havia ordenado um teste de estabilidade, em que 30 homens correriam diversas vezes pelo convés da popa. Na terceira volta, Fleming constatou que se continuassem o navio afundaria. Interrompeu o teste, mas não cancelou o lançamento ao mar. Com personalidades tão ilustres envolvidas, como o rei e o vice-almirante, as queixas foram retiradas.
Entre 1664 e 1665, um ex-oficial do exército sueco, usando um sino de mergulhador, resgatou a maioria dos canhões do Vasa. Com o tempo, o galeão foi esquecido ao afundar cada vez mais na lama, até 30 metros abaixo da superfície.
Em Agosto de 1956, Anders Franzén, arqueólogo amador, usou um dispositivo para trazer à superfície um pedaço de carvalho. Ele tinha examinando antigos documentos e vasculhado o leito do mar em busca do galeão e achou-o finalmente. A operação de resgate foi muito delicada e o Vasa foi arrancado da lama inteiro e deslocado gradualmente até um ancoradouro.
Em 24 de Abril de 1961, os cais de Estocolmo estavam novamente lotados de espectadores eufóricos. Lá estava o Vasa de volta com toda a sua glória, após 333 anos no fundo do mar, mas desta vez como atracção turística e como um tesouro para os arqueólogos marinhos. Mais de 25.000 artefactos foram recuperados e revelaram detalhes fascinantes e inéditos sobre esse galeão do século XVII, sobre construção de navios e sobre esculturas artísticas da época. Além de ser novo, a lama e a água com baixo teor de sal – inóspita ao verme Teredo navalis, que destrói madeira – concorreram para a sua preservação.
Na realidade, neste caso o navio tinha cerca de 120 toneladas de lastro, quando os peritos calculam que ele precisava ter o dobro para manter a estabilidade, mas faltava espaço. Além disso, se fosse acrescentado esse peso, as aberturas para os canhões inferiores ficariam mais perto da água. Tratava-se de um navio impressionante e glorioso, mas por não ter estabilidade, foi destinado à tragédia.
Actualmente, o Vasa é o mais antigo navio preservado, completo e identificado e está bem guardado em seu próprio museu, onde recebe anualmente cerca de um milhão de visitantes ansiosos para ter um vislumbre do objecto de ostentação real do século XVII, que fez história por causa da catástrofe em 1628. É um lembrete para as gerações actuais e vindouras da tolice de autoridades que, por questão de ego e descuido, preferiram ignorar regras de segurança da construção naval.

O TEMPLO ROMANO DE ÉVORA - Reconstituição arqueológica


Templo do forum romano em Évora (foto de Rui Dias)








Capitel e arquitrave (foto de Rui Dias)









Capitel coríntio em mármore (foto de Rui Dias)



Réplica em gesso de um capitel coríntio do templo do fórum romano de Évora, no átrio da faculdade de arquitectura em Lisboa - (Foto de Rui Dias)


Fotos abaixo, são de uma maqueta de reconstiuição do templo romano em Évora. A Proposta de reconstituição arquitectónica tal como a execução da maqueta, é de Rui Dias. Esta foi executada em madeira de faia e outras, com base nas escavações arqueológicas (fotos do autor)




O RECONHECIMENTO, O ARTISTA E A ARTE

Os territórios da arte já não se circunscrevem às artes maiores: pintura, escultura e arquitectura mas alargaram-se, e a própria pintura inclui práticas até agora consideradas periféricas: instalação, vídeo, grafismo, edição de livros de artista, fotografia, etc.,. Embora um território mais alargado, mais amplo e mais exuberante, é também mais permeável. Vivemos num tempo em que qualquer pessoa pode proclamar-se artista sem ser reconhecido obrigatoriamente pelos seus pares, por um júri de uma qualquer exigente academia, ou, sem sequer frequentar alguma reconhecida escola de arte.Disto resulta a ideia que se modificou o estatuto do artista e que é agora possível a todos fazer parte do mundo da arte. Não existe uma definição de artista mas várias, porque é grande a diversidade de práticas artísticas. Tendo em conta que a legitimação depende do reconhecimento, não podemos esquecer que o reconhecimento depende da definição de artista e do que é arte. Se a arte é um enigma que nem Heidegger ousou resolver, isto torna impossível definir a arte. Se não podemos definir a arte, desnecessário será, nomear as dificuldades no domínio da filosofia e da estética em definir o artista. Se não conseguimos definir nem a arte nem o artista, como lhe daremos “reconhecimento”? Sem este, o que produz a legitimação?Esta mudança de estatuto, ao nível da definição da arte e do artista, não acarreta apenas dificuldades filosóficas e estéticas, mas também no plano sociológico. Contudo, nesta abordagem da definição do artista, deverão ser considerados dois elementos de definição.O primeiro é, a auto-definição, isto é, o facto de se sentir artista e de se declarar como tal. Sentir-se artista é antes de tudo ter o projecto de construir uma obra. Implica encarar a arte como uma actividade, ou um modo de vida. O reconhecimento começa quando o próprio reconhece a si mesmo como artista.O segundo elemento de definição parece ser o reconhecimento do meio artístico. Não se trata aqui de ter uma profissão, nem sequer de ter um diploma ou certificação dada por uma escola superior. Pois, quantos “artistas” são formados pelas faculdades de Belas Artes e outras escolas superiores em Portugal, mas não vivem apenas dessa actividade? A maioria deles nunca teve uma exposição pessoal nem encomendas, não tem um intermediário a trabalhar com eles, e, em vez de rendimentos confortáveis enfrentam uma vida de precariedade. Apenas uns poucos recebem o reconhecimento do meio artístico.O conceito alargado da arte levou Joseph Beuys a dizer: “todos os homens são artistas”, revelando um pensamento desejoso de romper com ideias estritamente estéticas e de alargar a arte. No entanto, a questão continua pertinente: se temos todos condições de ser artistas, se tantos se auto-definem como tais, porque são tão poucos a conseguir o reconhecimento? São eles que o conseguem, pela construção da sua obra ou é-lhes “outorgado”, por quem tem o poder de outorgar, independentemente do valor intrínseco da obra?