quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

NO SEGUIMENTO DA HISTORIOGRAFIA E CARACTERIZAÇÃO DO TEMPLO ROMANO EM ÉVORA


Como prometemos no fim do último artigo, estamos de volta ao assunto da historiografia e caracterização do templo romano de Liberalitas Iulia Ebora , usando Bibliografia já apontada.

SÉCULO XIV E XV
A primeira referência escrita que se conhece é na “Crónica de El-Rei D. João I” na qual Fernão Lopes chama-lhe “açougue”, palavra que no Século XIV poderia estar mais próximo de mercado do que de talho ou matadouro. Mas é também por ele que sabemos, que foi do seu terraço que os partidários do Mestre de Avis atacaram o alcaide-mor da cidade, forçando a sua rendição na crise de 1384. De qualquer modo a segunda referência documental conhecida consta duma carta de Afonso V datada de 1467 dando certas pedras a Soeiro Mendes que estavam nos açougues” Em outros dois documentos camarários, de 1498 e 1555, continua a ser chamado de açougue.

SÉCULO XVI E XVII
Da iconografia conhecida sobre o Templo destaca-se pela sua primazia o Foral Manuelino de Évora onde o monumento se descobre a custo no perfil eborense pintado por mão anónima (Séc. XVI). Aí pode-se observar em destaque ao lado da Sé, a representação do “açougue”, aparecendo em evidência o “sino de correr” que anunciava o fecho das portas da cidade, a horas certas da noite. Uma outra representação gráfica data já de 1669, e encontra-se numa vista da cidade em desenho aguarelado do italiano Pier Baldi. A sua identificação como “templo” data apenas do final do século XVII quando o Padre Manuel Fialho cria a lenda do “Templo de Diana” e da sua fundação por Sertório – tradição mantida nalguma toponímia actual e na voz do povo – embora já André de Resende se lhe tenha referido como “pórtico de fábrica romana”.

SÉCULO XVIII E XIX
Devido às mutilações e acrescentos medievais, por ter servido como açougue e apenas ter sido desactivado como tal em 1836, por ter estado ligado por anexos aos edifícios da “Inquisição Velha”, são visíveis na fachada norte as cicatrizes destas construções. Estes edifícios da Inquisição foram adquiridos pelo Conde da Póvoa na sequência da venda dos bens eclesiásticos decorrente da revolução liberal. As origens romanas do velho edifício da acrópole, não passaram despercebidas aos eborenses que buscavam afincadamente as origens da cidade.
A actual e tão forte imagem das ruínas do Templo Romano de Évora, que apesar de todas as evidências eruditas não perdeu o seu popular nome “de Diana”, tem afinal apenas 130 anos. Entre 1836 e 1871, um longo e atribulado processo, conduzido por homens de cultura na tradição intelectual e artística da cidade permitiu numa época tão desastrada para o património cultural português, levar a cabo significativa obra de valorização do que restava do Templo. A opção preconizada por Augusto Filipe Simões e concretizada por Cinatti, fazendo tábua rasa de todos os acrescentos medievais, foi dar início à desobstrução do templo. Foi a Vereação municipal eborense do biénio de 1870 a 1872 que em 17 de Junho de 1870 deu início aos trabalhos. Assim, o Presidente da Câmara – Manuel de Paula da Rocha Viana – subiu as escadas do templo em companhia do artista José Cinatti a quem deu um camartelo como o qual, o referido artista deu a primeira pancada numa das ameias que encimavam o templo.
Considerando os critérios da época, as periclitantes condições de estabili-dade do edifício e as circunstâncias sócio-culturais do país, terá sido a solução mais acertada para a época, embora hoje pudesse ser contestado ou pelo menos passível de muitas críticas. Já naquela época foi grande a polémica surgida sobre se o monumento devia ser devolvido à pureza das origens ou se deveria manter as estruturas medievais, ainda havia quem defendesse a sua completa destruição por considerar que “as ruínas do templo não passavam de uma antigualha improdutiva, que se havia de deixar cair ou até de pôr por terra para desembaraçar o espaço que ocupa.” Esta discussão ocorre durante a década de sessenta do século XIX. O velho edifício ainda serviu também de depósito à colecção arqueológica trazida de Beja pelo arcebispo Frei Manuel do Cenáculo, colecção que mais tarde deu origem ao Museu de Évora. Quando em 1871 foi libertado das estruturas medievais já ameaçava ruína. Mas é com certeza a esta intervenção, que se deve o salvamento do que restava do templo e a criação de uma imagem consolidada de monumentalidade que é hoje ex-libris da cidade de Évora.


Pódium
Conserva o pódio quase completo, erguendo-se a mais de 3m de altura, com um comprimento de 25,50m por 15,20m de largura, no entanto, o comprimento total com a escada alcançava aproximadamente 28m.construído com grandes silhares de granito nos cantos, no perfil da base e moldura; o resto das paredes é em opus incertum, apresentando alguns vestígios de estuque pintado a branco.

Colunas
Sobre o pódio restam 14 colunas, 6 na fachada norte e as restantes nas laterais, faltam as colunas da fachada sul onde se encontrava a escadaria de acesso e a entrada para o templo. As colunas têm base e capitéis de mármore branco de Estremoz, e fustes em granito, estriados e originalmente estucados. No entanto só 12 conservam os capitéis coríntios, trabalhados em duas peças, característica que em Roma está cronologicamente documentada até à primeira metade do séc. I d.C. . Na Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa existe uma cópia em gesso de um destes capitéis coríntios.
Os elementos decorativos dstes capitéis coincidem com o tipo e o estilo das folhas de acanto, das volutas e ainda de outros elementos existentes no fórum de Augusto em Roma e também na “Maison Carré” de Nîmes e também no foro marmóreo de Mérida, que é atribuído à época de Cláudio (41-54 d.C.).
Em relação à técnica de construção, foi muito interessante e de grande importância a descoberta de umas marcas e traços gravados sobre as pedras do estilobato, junto às bases das colunas, indicando os eixos das colunas e a localização das bases, servindo estas linhas de base geral, o que permitiu tirar conclusões sobre a forma de marcar na obra as medidas exactas do projecto, caso muito singular em Portugal.
A distância entre eixos é de 2,60m, do lado norte e de 2,25m dos lados leste e oeste. Esta diferença deve-se ao facto de que na fachada do templo, ou seja, – no lado sul que está destruído – a distância entre as duas colunas do centro era maior, fazendo que parte posterior do templo, fosse compensada através de medidas de eixo maiores. As medidas não são convertíveis em pés inteiros. Apenas o diâmetro inferior das colunas, de cerca de 0,90m, bem como a distância aproximadamente igual entre as bases de colunas nos lados leste e oeste correspondem a medidas de pés certas.
O fuste de cada coluna tem 6,19m é estriado com 12 meias caneluras, o capitel tem 1m e a base 0,48m.sendo que a altura total das colunas é de cerca de 7,70m.

Períptero na estrutura
As principais estruturas dos templos donde resulta o seu aspecto exterior são seis. Sendo que uma delas é a chamada períptera, que segundo Vitrúvio no livro terceiro, segundo capítulo, tem as seguintes caracte-rísticas: “Será períptero cuando posea en la fachada y en la parte posterior seis columnas y once en los lados, incluidas las angulares. Estas columnas se disponen de manera que la distancia del intercolunio sea la misma que la distancia que guardan respecto a las paredes en derredor, dejando un paseo en torno al santuario del templo”
Com esta definição não é difícil estabelecer o número de colunas do edifí-cio, nem das medidas da cela. Propomos na reconstituição 11 colunas nos lados maiores. As medidas entre os eixos do peripteron seriam de 45 x75 pés Por isso, fizemos a reconstituição com 11 colunas no comprimento e 6 colunas na largura, o que constitui um total de 30 colunas. Numa primeira fase talvez tivesse uma escadaria frontal, mas numa segunda, duas escadas laterais, com um muro transversal de silhares, estruturado por pilastras, muito semelhante ao encontrado no “Templo de Diana” em Mérida.
Continuaremos esta caracterização para falar do Themenos, e concluir esta investigação.

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