segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

A ARTE COMO INSTÂNCIA DE ACTIVIDADE SOCIAL, NUM HORIZONTE DE RECEPÇÃO

A palavra “artista”, que depois do Renascimento tinha uma dupla conotação (intelectual e artesão), deu lugar à de “artista plástico”. O artista já não possui a auréola de um savoir-faire, da mesma maneira que já não realiza obras, mas apresenta projectos e realiza um trabalho. Esta mutação da linguagem traduz exactamente este novo olhar dirigido ao artista. Tanto pode ser um técnico, como contentar-se em ter uma ideia como ponto de partida deixando a uma equipa profissionalmente mais competente a tarefa de realizar o projecto. Se é bem verdade que o artista se tornou mais ecléctico e pluridisciplinar, também é verdade então, que o modo de apreciação da arte e dos artistas mudou.
A arte não é uma essência, não há a natureza do ser artístico. A actividade artística é uma produção para outrem, mas não, “um outro definido”. É uma instância de actividade social, num horizonte de recepção. Assim, teremos de analisar o conjunto de agentes e correspondentes interacções que intervêm na definição do rumo e do ritmo da evolução da carreira de um artista. São estes agentes, que alguns chamarão de “sistema”, que seleccionam os artistas a quem conferirão o reconhecimento, como se lhes fosse outorgado.
Uma selecção implica inevitavelmente inclusões e o seu contrário. Estas inclusões e exclusões nem sempre são justas e acertadas. São muitas e variadas as ocasiões em que isto acontece. Desde seleccionar as obras de artistas para um concurso ou atribuição de prémio até seleccionar um grupo de artistas para integrar uma exposição internacional. Atribuição de uma bolsa, a decisão de investir na compra de trabalhos de um determinado autor, a inclusão ou exclusão nos livros de história da arte, implica um processo judicativo que nem sempre assenta em critérios artísticos e qualitativos.
Esta é também a crueldade da história da arte, tanto a de um passado distante, como a história moderna e contemporânea. Haverá sempre uma selecção, que envolverá inevitavelmente exclusões. Se em relação ao passado distante se possa admitir que as exclusões são especialmente por desconhecimento (no verdadeiro sentido da palavra) dos artistas, na história contemporânea, poucas exclusões são motivadas por desconhecimento, porque na sua maioria são por uma deliberada ignorância. Isto é, muitos artistas permanecem na sombra ou são votados ao esquecimento através de um processo de gatekeeping.
“Reconhecer” equivale a legitimar. A legitimação depende destas inclusões ou exclusões e estas dos processos de gatekeeping. Contudo, o sucesso dos criadores deveria ser medido em função dos critérios pertencentes ao universo artístico como campo autónomo e auto-referencial, que define os princípios da sua legitimidade e os seus limites de separação de outros universos. O artista deveria ser legitimado em função de princípios estéticos e de experienciação do objecto artístico com a vinculação do autor à obra, e não por critérios que o star system utiliza e que encontramos no mundo da moda.
Não raro, existe uma sobrestimação de artistas medíocres que o público toma por génios, mas que desaparecem depois da morte sem deixar vestígios na memória dos homens. Por vezes são esquecidos pela geração seguinte àquela que foi testemunha da sua obra. O caso é muito diferente quando se trata de autores que nos vieram dizer qualquer coisa de novo.
Lamentavelmente, em resultado só uma meia dúzia de artistas atrai a cobertura mediática, a grande maioria permanece na sombra, num completo desconhecimento, e, em alguns casos esquecimento do grande público. Tal como na guerra, quais pobres vencidos pela sombra, deles «não rezará a história». Enquanto assistem à procissão triunfal em que alguns dos seus pares são conduzidos sob a luz dos holofotes, com queima de incenso e chão atapetado de pétalas de rosas, assistem ao apagamento ou à não inscrição dos seus nomes.
Não obstante, as distorções, subversões, vícios e quaisquer outras actuações menos transparentes que eventualmente existam, são especialmente importantes as articulações entre a evolução do trabalho de um artista e as várias redes de circulação em que progressivamente se insere, designadamente a nível nacional e internacional, tais como os diferentes tipos de galerias, instituições culturais, críticos e outros tipos de comentadores, publicações especializadas e os meios de comunicação social em geral.

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