quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

ARTE E INTERMEDIAÇÃO - CRÍTICA E CRIAÇÃO DE ARTISTAS

Na pluralidade de intervenientes no mundo da arte destacam-se dois lugares limite: os artistas como criadores, que em percursos variáveis mais ou menos versáteis e intermutáveis, procuram sempre a sua singularidade artística, e os outros que “criam o criador” dentro do campo de criação, como por exemplo os críticos, os comissários, os marchands, e os programadores culturais. Em suma, toda uma série de intermediários culturais, de quem os criadores dependem para a visibilidade/viabilidade das suas carreiras e que, na sua função de divulgação consagram os artistas, assim como se consagram a si mesmos.
Dentro do conceito geral de mediação, o protagonista que mais se constitui como “objecto central na sociologia da arte” é o programador cultural. As suas funções de intermediação assentam no pressuposto clássico de um processo de criação artística repartido entre produção, intermediação e recepção. Neste sentido, o intermediário cultural é aquele que serve de canal, de facilitador da ligação entre dois mundos (produção e consumo, princípio e fim, ou criação e recepção) que, estando separados, devem ser ligados para que o processo de criação resulte. Constituídos como objecto central da arte, na medida em que não há nem outro lugar nem outro meio de conhecer os dois mundos, que não no trabalho dos intermediários, têm o poder como gatekeepers de triar, reagrupar, e até deformar. Desta maneira, põem em relação arte e sociedade e tornam claro que a criação, mais do que uma essência pura, geradora de uma comunicação empática com o público, é produto de um quadro social cuja ponderação envolve os aspectos económicos, políticos e sociais de uma dada sociedade.
O processo de criação apresenta-se não como um encadeamento linear, onde o intermediário intervém apenas na obra criada à saída do processo de produção para a entregar ao consumo, mas antes, como um processo onde existem várias retroacções e determinações recíprocas num contexto onde os intermediários ganham uma crescente importância na configuração e definição do que é arte.
Como diz Cláudia Madeira : “O programador cultural surge, desta forma, no campo artístico como um elemento legitimador de um valor cultural e económico de obras de artistas, assim como, de possibilidades entre o que pode ou não pode existir enquanto produto cultural” Como diz Hennion, “o intermediário não é um funcionário passivo que aplica leis, ele produz mundos”.
Por seu lado a Crítica, como instrumento de mediação do território de experiências e imprevistos da arte, deve contemplar pelo menos três momentos: o descritivo, o interpretativo e o avaliador. No entanto, nas últimas décadas detém-se principalmente na descrição e na evocação, evitando ou subtraindo quase totalmente o carácter judicativo.
Na Crítica actual predomina a ausência de juízos de valor, e quando os há fazem parte da ligação entre artistas e críticos apresentando-se não raro com uma intensidade emocional extremada entre amor e ódio. A polémica está ausente, não existindo artigos negativos em relação a exposições realizadas em Portugal. A Crítica de arte é monocórdica e é sobretudo uma crítica de exposições.
Senão, vejam-se os ensaios para catálogos de galerias comerciais. Normalmente, não mencionam qualquer objecção quanto ao artista e à Obra. Espera-se que os textos sejam laudatórios e que tenham uma função promocional de negócio, portanto, este tipo de artigos, não são Crítica de Arte.
Já do ponto de vista dos ensaios mais académicos, os artigos aparecem repletos de referências culturais e filosóficas, nos quais se procura fazer prova da aliança ou desvio a determinados conceitos ou movimentos, e os autores evidenciam uma excessiva preocupação em criar um bom texto literário. Já ninguém tem medo dos críticos, porque eles se assemelham mais a filósofos. Só existe receio quando o crítico é assessor, marchand ou curador.
É preocupante que os críticos não cumpram assim, a sua função, mas o que prestam é uma espécie de assessoria de imagem. Se tivermos em conta que o crítico muitas vezes trabalha para uma instituição cultural, ou, que em muitos casos existirá um arranjo de troca de bens (uma boa crítica por uma obra) entre o criador e o crítico, criam-se relações que favorecem o gatekeeping, sendo que o crítico passa a ser uma parte interessada no reconhecimento e consagração do artista. Muitas vezes, criam-se cumplicidades entre o crítico e o artista, havendo até uma coincidência de sentido estético e modos de ver o mundo. Quando assim não é, os discursos são opacos, demasiado herméticos e que procuram apenas impressionar os seus pares.
Há quem pense, que a crítica já não tem uma posição de poder e não tem papel relevante no sistema de gatekeeping, porque o mundo artístico de hoje marginaliza a crítica, ajudados é claro pela actuação dos críticos. Parece que a crítica de arte tende a ser um ponto de passagem para um emprego mais estável e bem remunerado, como a consultoria artística, ou a compra e venda de arte. Por outro lado diz-se que procuram apenas prestígio e que a crítica está muito longe do tempo de Clement Greenberg que estabelecia a “lei” do modernismo.
Na verdade, pensamos que não obstante o papel do curador suplantar o do crítico no tocante a “criar artistas”, pois constrói uma carreira ao tornar-se uma fortaleza para a legitimação do gosto, os críticos de arte ainda têm o poder de dirigir o seu foco de luz sobre os artistas. Por seu turno, artistas, galerias e marchands, ainda mendigam a cobertura da crítica, mesmo que esta seja apenas informativa, descritiva, filosófica e poética e cada vez menos analítica.

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