sábado, 3 de janeiro de 2009

O RECONHECIMENTO, O ARTISTA E A ARTE

Os territórios da arte já não se circunscrevem às artes maiores: pintura, escultura e arquitectura mas alargaram-se, e a própria pintura inclui práticas até agora consideradas periféricas: instalação, vídeo, grafismo, edição de livros de artista, fotografia, etc.,. Embora um território mais alargado, mais amplo e mais exuberante, é também mais permeável. Vivemos num tempo em que qualquer pessoa pode proclamar-se artista sem ser reconhecido obrigatoriamente pelos seus pares, por um júri de uma qualquer exigente academia, ou, sem sequer frequentar alguma reconhecida escola de arte.Disto resulta a ideia que se modificou o estatuto do artista e que é agora possível a todos fazer parte do mundo da arte. Não existe uma definição de artista mas várias, porque é grande a diversidade de práticas artísticas. Tendo em conta que a legitimação depende do reconhecimento, não podemos esquecer que o reconhecimento depende da definição de artista e do que é arte. Se a arte é um enigma que nem Heidegger ousou resolver, isto torna impossível definir a arte. Se não podemos definir a arte, desnecessário será, nomear as dificuldades no domínio da filosofia e da estética em definir o artista. Se não conseguimos definir nem a arte nem o artista, como lhe daremos “reconhecimento”? Sem este, o que produz a legitimação?Esta mudança de estatuto, ao nível da definição da arte e do artista, não acarreta apenas dificuldades filosóficas e estéticas, mas também no plano sociológico. Contudo, nesta abordagem da definição do artista, deverão ser considerados dois elementos de definição.O primeiro é, a auto-definição, isto é, o facto de se sentir artista e de se declarar como tal. Sentir-se artista é antes de tudo ter o projecto de construir uma obra. Implica encarar a arte como uma actividade, ou um modo de vida. O reconhecimento começa quando o próprio reconhece a si mesmo como artista.O segundo elemento de definição parece ser o reconhecimento do meio artístico. Não se trata aqui de ter uma profissão, nem sequer de ter um diploma ou certificação dada por uma escola superior. Pois, quantos “artistas” são formados pelas faculdades de Belas Artes e outras escolas superiores em Portugal, mas não vivem apenas dessa actividade? A maioria deles nunca teve uma exposição pessoal nem encomendas, não tem um intermediário a trabalhar com eles, e, em vez de rendimentos confortáveis enfrentam uma vida de precariedade. Apenas uns poucos recebem o reconhecimento do meio artístico.O conceito alargado da arte levou Joseph Beuys a dizer: “todos os homens são artistas”, revelando um pensamento desejoso de romper com ideias estritamente estéticas e de alargar a arte. No entanto, a questão continua pertinente: se temos todos condições de ser artistas, se tantos se auto-definem como tais, porque são tão poucos a conseguir o reconhecimento? São eles que o conseguem, pela construção da sua obra ou é-lhes “outorgado”, por quem tem o poder de outorgar, independentemente do valor intrínseco da obra?

1 comentário:

Aquela que procura Oz disse...

Texto pertinente. É um dos maiores problemas que o contexto artístico contemporâneo enfrenta.

Sem ilusões... "é-lhes 'outorgado' por quem tem o poder de outorgar, independentemente do valor intrínseco da obra".