sábado, 3 de janeiro de 2009

A PROPÓSITO DA VISITA AO ESTALEIRO DE PORTO BRANDÃO

Casco e hélice do Proton - Foto do autor

Aquando da visita ao estaleiro e a propósito da construção do barco de pesca PROTON, houve oportunidade para uma interessante conversa entre o arquitecto Ruy Mendes Santos e o engenheiro naval, Eduardo Mendes Dias. Construir um barco/navio, é um desafio que requer conhecimentos muito diversificados. Neste caso, com dois anos de projecto, incluindo pesquisa e compra de materiais, seguida de cerca de mais dois anos de trabalho. No que diz respeito ao design, porque é disso que se trata em relação a este objecto de arte, tendo em conta a funcionalidade e utilidade da obra, embora com algumas actualizações, pode concluir-se que nesta área não há muita inovação, considerando os riscos, a tradição, a legislação e as leis da física que governam o meio aquático nos quais se movem. Isto obriga a uma rigorosa geometria – que tem de ser considerada não só por motivos estéticos – mas, por motivos aerodinâmicos, poupança de energia, ambientais, estabilidade, etc. Ao falar de estabilidade, fala-se não só da flutuação, mas também do balanço, que envolve o lastro, o centro de gravidade, e o centro dinâmico, que difere do centro de gravidade. À medida que a conversa sobre o centro de gravidade se desenrolava não podia deixar de pensar no Vasa.

Motor do barco em reparação e teste - foto R.Dias

Por causa do PROTON regressei ao VASA e talvez à viagem mais curta da história.

A época do Proton é bem distante daquela que foi o apogeu do poderio naval, quando as frotas holandesas singravam os oceanos e desafiavam, uma por vez ou em conjunto, as frotas da Inglaterra, da França, da Espanha e de Portugal. Isso aconteceu na última metade do século dezessete. Contudo na primeira metade do Século XVII, mais precisamente a 10 de Agosto de 1628, num lindo dia ensolarado, estava uma multidão reunida no cais do porto em Estocolmo para ver o majestoso galeão Vasa que, após 3 anos de construção, seria lançado ao mar para se juntar à Armada Real Sueca.
O Vasa não era um navio qualquer. O Rei Gustavo II Adolfo Vasa queria que fosse o navio mais poderoso da época. Consta que, ao ouvir que os dinamarqueses construíam um navio com dois andares, dobrando assim seu poder de fogo, mandou acrescentar um segundo andar ao galeão. Queria que o navio que levaria o nome da família fosse superior a todos os outros.
Ao ser lançado ao mar, o Vasa devia ser uma exibição do poder e da glória da coroa sueca. O poder de fogo do galeão era de 64 canhões e estava adornado com mais de 700 estátuas e ornamentos. O custo chegou a mais de 5% do produto nacional bruto da Suécia. Essa poderosa máquina de guerra e exibição de arte flutuante foi provavelmente o galeão mais glorioso construído na época. Não é de admirar que o povo estivesse eufórico e orgulhoso ao vê-lo passar pelos cais de Estocolmo!
Mas, depois de navegar pouco mais de um quilómetro, uma lufada de vento fê-lo adornar e a água começou a entrar pelas portinholas dos canhões, no casco. O Vasa afundou na viagem inicial — talvez a mais curta de que se tem registo na História naval!
Os espectadores estavam perplexos. A glória da Marinha Sueca foi por água abaixo, não em alto-mar numa batalha ou numa tempestade violenta, mas ao sair do porto de origem, devido a uma simples lufada de vento. A morte de 50 pessoas a bordo aumentou a consternação. O Vasa, símbolo de orgulho nacional, acabou em tragédia, passando a ser símbolo de desapontamento e de desgraça. Foi aberto um inquérito para apurar responsabilidades, porém, ninguém foi acusado, como actualmente em Portugal a culpa morreu solteira, talvez, porque a evidência implicava tanto o Rei Gustavo como o segundo homem mais influente da Marinha Sueca, o Vice-Almirante Klas-Fleming.
As exigências do rei haviam obrigado os construtores a aventurar-se em projectos que desconheciam. O resultado foi que o Vasa não tinha estabilidade. Antes da viagem inicial, o Vice-Almirante Fleming havia ordenado um teste de estabilidade, em que 30 homens correriam diversas vezes pelo convés da popa. Na terceira volta, Fleming constatou que se continuassem o navio afundaria. Interrompeu o teste, mas não cancelou o lançamento ao mar. Com personalidades tão ilustres envolvidas, como o rei e o vice-almirante, as queixas foram retiradas.
Entre 1664 e 1665, um ex-oficial do exército sueco, usando um sino de mergulhador, resgatou a maioria dos canhões do Vasa. Com o tempo, o galeão foi esquecido ao afundar cada vez mais na lama, até 30 metros abaixo da superfície.
Em Agosto de 1956, Anders Franzén, arqueólogo amador, usou um dispositivo para trazer à superfície um pedaço de carvalho. Ele tinha examinando antigos documentos e vasculhado o leito do mar em busca do galeão e achou-o finalmente. A operação de resgate foi muito delicada e o Vasa foi arrancado da lama inteiro e deslocado gradualmente até um ancoradouro.
Em 24 de Abril de 1961, os cais de Estocolmo estavam novamente lotados de espectadores eufóricos. Lá estava o Vasa de volta com toda a sua glória, após 333 anos no fundo do mar, mas desta vez como atracção turística e como um tesouro para os arqueólogos marinhos. Mais de 25.000 artefactos foram recuperados e revelaram detalhes fascinantes e inéditos sobre esse galeão do século XVII, sobre construção de navios e sobre esculturas artísticas da época. Além de ser novo, a lama e a água com baixo teor de sal – inóspita ao verme Teredo navalis, que destrói madeira – concorreram para a sua preservação.
Na realidade, neste caso o navio tinha cerca de 120 toneladas de lastro, quando os peritos calculam que ele precisava ter o dobro para manter a estabilidade, mas faltava espaço. Além disso, se fosse acrescentado esse peso, as aberturas para os canhões inferiores ficariam mais perto da água. Tratava-se de um navio impressionante e glorioso, mas por não ter estabilidade, foi destinado à tragédia.
Actualmente, o Vasa é o mais antigo navio preservado, completo e identificado e está bem guardado em seu próprio museu, onde recebe anualmente cerca de um milhão de visitantes ansiosos para ter um vislumbre do objecto de ostentação real do século XVII, que fez história por causa da catástrofe em 1628. É um lembrete para as gerações actuais e vindouras da tolice de autoridades que, por questão de ego e descuido, preferiram ignorar regras de segurança da construção naval.

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