segunda-feira, 9 de março de 2009

VANITAS - As Bolas de Sabão de Manet




As Bolas de Sabão

Édouard Manet (1832-1883)
Assinado: Manet
França, 1867 – pintado na época em que a crítica era severa com Manet
Quadro a óleo sobre tela emoldurado

100,5 x 81,4 cm
Bom estado de conservação
Museu Calouste Gulbenkian
Invº 2361



Foi Sir Kenneth Clark, na altura director da National Gallery de Londres, que aconselhou a compra deste quadro em 1943 a Calouste Gulbenkian, vindo agora a fazer parte do espólio do museu da Fundação.

Descrição
Trata-se de um retrato de um jovem aparentemente adolescente, que tem um recipiente na mão esquerda e com a direita segura uma palhinha através da qual sopra e forma uma bola de sabão.

Tema
“Vanitas vanitatum et omnia vanitas
”, este é o tema da pintura. Esta locução latina que significa vaidade das vaidades e tudo é vaidade, são palavras de Salomão para mostrar a vanidade das glórias deste mundo. Estas palavras, são decerto extraídas da Vulgata Latina de Jerónimo, que segundo a tradução para o português pelo Padre António Pereira de Figueiredo diz : “Vaidade das vaidades, disse o Ecclesiastes; vaidade de vaidades, é tudo vaidade.” (Ecl. 1:2; 12:8) Esta expressão de significado profundo foi repetida por outros escritores bíblicos e tratada na pintura por diversos artistas.
Portanto esta é uma vanitas, quer dizer é uma obra que aborda este tema da existência efémera, simbolizada aqui, pelas bolas de sabão. Poussin e outros, trataram este tema com a inclusão de túmulos, caveiras e outros símbolos de natureza mais pesada ou mórbida para o espírito. É uma maneira diferente, porém, muito mais suave de tratar a inevitabilidade da morte e ao mesmo tempo encerrando uma certa ambiguidade. É como se alguém escrevesse um livro sobre a morte sem usar a palavra vez alguma. Manet fez nesta obra uma interpretação invulgar do tema, que sempre atravessou transversalmente a sociedade humana através dos séculos, na filosofia, na religião, nas artes e mais recentemente na ciência.
Aspectos como o fundo escuro, a simplicidade das formas e a sobriedade da composição parecem evocar, contudo, um obra com o mesmo título da autoria do pintor setecentista francês Jean-Siméon Chardin.
Não se pode excluir também a hipótese, de o quadro poder constituir uma reflexão do autor sobre a perenidade da arte. Não podemos esquecer, que em 1866 produziu o Tocador de Pífaro, que foi recusado naquele ano pelo Salão, e o pintor revoltado constrói uma barraca em pleno centro aristocrático de Paris, e ali expõe. Se o quadro aborda a perenidade da arte em contraponto com a efémera vida humana, traz-nos à memória que o autor morreu com 51 anos e a sua obra ainda aqui está. Bem que se pode aplicar a esta obra o que ele disse: “A minha ambição foi não me igualar, não repetir amanhã o que fizera ontem, mas sim, inspirar-me constantemente em novos aspectos, procurando fazer ouvir uma nova nota.”

A moldura
A moldura da imagem é constituída por manchas triangulares pretas na parte superior e uma mancha rectangular no canto inferior esquerdo por baixo do braço direito da imagem. É ainda acrescentada uma mancha em toda a largura inferior, que parece representar o parapeito de um muro, balcão ou varanda, sendo esta de cor preta e castanha. Portanto tem uma moldura concreta que ajuda a reforçar as linhas de força.

Enquadramento e composição formal
Tem um enquadramento de proximidade, pois trata-se de meio corpo. A figura do rapaz está centrada no suporte mas te tal maneira que cria corredores de leitura, e linhas de força, neste caso, ascendendo para a esquerda levando o observador a olhar para o que o modelo observa – a bola de sabão. Cada um dos braços forma um triângulo, e as linhas formadas pelos dois membros em direcção à cabeça como vértice, forma outro triângulo.
É uma composição muito harmoniosa na forma e no enquadramento que é realçada pelo fundo negro sem oferecer muito contraste devido às cores utilizadas. O conteúdo alegórico não se sobrepôs à autonomia plástica do discurso visual.

Cores e iluminação
Manet criou a sua expressão autónoma e impôs a partir do motivo uma afirmação da sua percepção sensorial, da sua subjectividade. Por isso, usou cores suaves nem demasiado frias nem demasiado quentes. Embora devido à passagem do tempo pareça ter sido aplicada uma patine. A camisa do rapaz é branca e o casaco parece ter sido cinza a tender para o bege. O rapaz louro parece ser pobre e isso pode ser visto pelo casaco com o botão do meio desabotoado, e bolsos pendidos e deformados. A tigela que segura na mão esquerda, é de cor azul e branca de tipo holandês, e não é muito claro se é de esmalte ou uma peça de cerâmica, embora me incline a pensar que é de cerâmica. A luz vem da nossa direita, ou seja da esquerda do modelo, com uma inclinação de aproximadamente 45 graus. É um pouco difusa pois os contrastes não são acentuados, embora os volumes sejam acentuados e auxiliados pelo fundo escuro.

Textura
Com pinceladas de tinta mais espessa e com as rugas e dobras da roupa bem acentuadas, imprime um carácter táctil e concorre para uma percepção de volumes e para aproximar o modelo.

Carácter plástico
O tema sério aqui tratado, é beneficiado pela pose séria e formal do rapaz que bem poderia estar mais descontraído, mas que por razões de natureza formal e filosófica está numa pose quase sublime e simultaneamente dramática. O olhar do modelo parece concentrar-se na bola de sabão acabada de formar e na variedade de cores que possui, e ao mesmo tempo perder-se no infinito. É um convite dissimulado à reflexão sobre a duração da vida. Tal como o rapaz parece querer que a bola resista, aparentando por isso também, um esforço para não se mexer a fim de não apressar o desaparecimento do que já é dramaticamente efémero, também o artista congelou aquele momento, como se fizesse parar o tempo e perpetuar aquele instante.
O estilo é realista, a tender para o moderno, pois é um tema figurativo clássico quase impressionista. Não é fácil classificar esta obra de um dos precursores do impressionismo. Manet era amigo de impressionistas, mas, ao mesmo tempo desafiava e detestava as classificações da história. Com efeito, sempre procurou manter-se independente, embora seja etiquetado muitas vezes como realista e impressionista. Este, tal como os seus outros quadros, não são meros registos da sua época, nem uma ilustração superficial das modas fugazes.

Conclusão
Usou um jovem adolescente como modelo que segundo uns era, Léon – Édouard Koella, enteado de Manet, e filho da sua aluna de pintura e sua professora de música Suzanne Leenhoff, uma pianista holandesa. Segundo outros, o modelo era um jovem de 15 anos, chamado Alexandre, oriundo de uma família muito pobre que servia a Manet como criado. Esta segunda opinião parece ter mais força se compararmos este modelo com o Almaço no Atelier que como se diz era Léon o modelo. Não parece ser o mesmo modelo, além de que, a vestimenta também os diferencia no que diz respeito à classe social. Com efeito, não parece que os temas tratados nos dois quadros justificassem essa diferença de vestuário.
Esta Vanitas , que nos convida a reflexão traz-nos à memória o génio de grandes mestres, com o seu estilo livre e directo, com o recorte da figura bem definido. Manet tinha interesse inexaurível pelos avanços da sua época, e lançou mão de novas ideias e estilos que constituíam uma afronta àqueles que ficavam desesperados com o tipo de arte crescente. É muito singular que trate este tema com o retrato de um jovem, pois, bem que se poderia dizer, que é a perspectiva do outono na primavera da vida, porque somos como a erva verde que brota e cresce, quando chove no deserto, mas com a mesma rapidez se resseca e desaparece, em contraste com a arte.
BIBLIOGRAFIA

As bolas de Sabão
Lisboa 2001
Museu Calouste Gulbenkian –Álbum, Lisboa, Fundação Calouste
Gulbenkian, 2001, p. 162, nº 138, il.

New York 1999
“Only the Best”. Masterpieces of the Calouste Gulbenkian Museum,
Lisbon, catálogo de exposição, Katharine baetjer e James David
Draper (eds.) – New York (The Metropolitan Museum of Art), 1999,
pp. 138-139, nº 65, il.

Costa e Sampaio 1998
Maria Helena Soares Costa e Maria Luísa Sampaio – Pintura, Lisboa,
Museu Calouste Gulbenkian, 1998, pp. 136-139

Goffen 1995
Rona Goffen (ed.) – Museums discovered: The Calouste Gulbenkian
Museum, Fort Lauderdale, Florida, 1995, pp. 134-135, il.

New York 1983
Manet, 1832-1883, catálogo de exposição, New York ( The Metropolitan
Museum of Art, 1983, pp. 268-270, nº 102, il.

Rouart e Wildenstein 1975
Denis Rouart e Daniel Wildenstein – Édouard Manet: Catalogue raisonné,
Lausanne e Paris, 1975, vol, I, pp. 122-23, nº 129, il.

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